Wednesday, January 13, 2010

Nada hoje autoriza qualquer otimismo

Nada hoje autoriza qualquer otimismo.
A revolução não virá a tempo,
e homens esquecidos da razão de ser – a humanidade -
seguirão a fazer perecer tudo o que nos foi concedido,
luz, perdão, migalhas a que corpos se atiram inutilmente.
Meu pai me dizia que eu chorava à toa quando os tanques rolavam sobre Praga.
A revolução não virá a tempo,
e ninguém vai nos tirar dos apocalípticos escombros.
Chove tanto sobre o mundo,
e as lágrimas serão inférteis testemunhos de nossa desrazão.

Tuesday, January 12, 2010

Algaravia

Nem sei de onde vem
esta inopinada alegria.
Não sei se é este cheiro de terra depois da chuva,
a nuvem que me olha com cara de nuvem apenas
(achei que era Netuno, logo se desmanchou).
Não sei se é esta brisa benfazeja,
ou teu hálito a me visitar em doce nostalgia,
teus pés que se resolvem enfim em meus sentidos.
Não sei, e benza Deus que não entendo.
O mundo é a algaravia,
e não nunca cabe o decifrar.

Sunday, January 10, 2010

No meu jardim

No jardim da minha imaginação
Tem cravos, primaveras, buganvíleas,
margaridas, girassóis, damas-da noite,
violetas, anêmonas, avencas, azaléias,
magnólias, lírios, narcisos, tulipas, primaveras.
No meu jardim tem antúrios, alcachofras, mimosas,
alpínias, gardênias, gérberas, bromélias,
cactus, camélias, e mato, muito mato.
No meu jardim tem bichos espantosos, abelhas,
tem chuva e depois da chuva,
tem sol e tem lua e noite,
ciclames, frésias e lírios,
prímulas e helicônias,
amores-perfeitos (e imperfeitos), violetas.
Tem grama e chão onde deitar
para ouvir o coração da terra
que molha nossos corpos no orvalho.
Do meu jardim a relva às vezes sai desordenada,
vitalidade que pula das sementes e se espalha para o céu.
E tem besouros, vagalumes, louva-deus, taturanas,
beija-flores, sabiás na comunhão
de tudo que cultua a luz.
No meu jardim a sombra é apenas o descanso
e o alívio quando o calor queima.
No meu jardim agora é outono
e a claridade bate de banda
como de banda a gente anda quando anda em solidão.
No meu jardim tem minúsculas casinhas
onde habitam deuses invisíveis,
imagens que conduzem nossas vidas.
No meu jardim as coisas fenescem e morrem e retornam,
eternamente.
No meu jardim tem espinhos e a aridez da argila,
massinha de moldar em busca de seu molde.
No meu jardim há olhos que não dormem e brilham no escuro,
fantasmas e ninfas que moram nas fontes.
No meu jardim a água corre e a seiva jorra dos troncos
e minhocas hibernam até revolver a massa escura, aconchegante e quente e úmida que vai dar na superfície,
onde as esperam o risco da morte retorcida na secura ou o alimento.
Não tem artifícios, o meu jardim.
Nele simplesmente tudo está ou não está,
porque nele o olhar revela tudo.
Mas tem uma coisa que falta em meu jardim.
No jardim da minha vida
eu quero é molhar a sua rosinha.

Tuesday, January 05, 2010

Zero Hora

Não é mais hoje
e mal ainda é amanhã.
Venta pedras sólidas
e meu corpo esfacelado
se agarra a um poste
onde um cão mija, indiferente.
Está em minhas mãos,
está em minha memória,
estão em minhas chagas
estas lascas despregadas de tempo,
estas coisas que flutuam, baças,
opacidade de céu de neve.
Eu saúdo a súbita apreensão de mim.
A musa nasce, eu parto, velas enfunadas,
faróis dormentes em arrecifes,
a navegação pelo cheiro,
a vida exala alga e rosmaninho,
cozinha de nuvens, marcos onde restam atirados
o que sobrou e o que há por vir.
Zero hora em todos os meridianos,
nos significados todos,
e o jazz soa doce alheio a tudo.