Friday, December 29, 2006

Vapor Barato




Vapor Barato
(Jards Macalé e Wally Salomão)

Sim, eu estou tão cansado, mas não pra dizer
Que eu não acredito mais em você
Com minhas calças vermelhas
Meu casaco de general cheio de anéis
Eu vou descendo por todas as ruas
Eu vou tomar aquele velho navio
Eu vou tomar aquele velho navio
Aquele velho navio
Eu não preciso de muito dinheiro
Graças a Deus
E não importa,....e não importa Não!

Oh minha honey
Baby, baby, baby.......Honey, Baby

Sim eu estou cansado mas não pra dizer
Que eu estou indo embora
Talvez eu volte um dia..eu volto, quem sabe
Mas eu preciso
Eu preciso esquecê-la
A minha grande a minha pequena
A minha imensa obsessão
A minha grande obsessão

Oh minha honey
Baby, baby, baby.......Honey, Baby

Tuesday, December 26, 2006

Casida del llanto

He cerrado mi balcón
por que no quiero oír el llanto
pero por detrás de los grises muros
no se oye otra cosa que el llanto.

Hay muy pocos ángeles que canten,
hay muy pocos perros que ladren,
mis violines caben en la palma de mi mano.

Pero el llanto es un perro inmenso,
el llanto es un ángel inmenso,
el llanto es un violín inmenso,
las lágrimas amordazan al viento,
no se oye otra cosa que el llanto.


(Federico Garcia Lorca)

Friday, December 22, 2006

Cloudy days, bright days

Danza de murte – fragmento

2
La noche, la calle, el farol, la farmácia,
Una luz mortecina y absurda.
Aunque vivieras outro cuarto de siglo
Todo seguirá igual. No hay salida.

Morirás, volverás a comenzarlo todo de nuevo
Y todo se repetirá como antes.
La noche, las ondulaciones frias del canal,
La farmácia, la calle, el farol.

(Alexander Blok, 1912)

Wednesday, December 20, 2006

Duas reflexões sobre o passado recente

ANJO EXTERMINADO
(Jards Macalé/Waly Salomão)

Quando você passa três, quatro dias desaparecida
Me queimo num fogo louco de paixão
Ou você faz de mim alto-relevo no seu coração
Ou não vou mais topar ficar deitado
Um moço solitário, poeta benquisto
Até você tornar doente, cansada, acabada
Das curtições otárias
Quando você passa três, quatro dias desaparecida
Subo desço, desço subo escadas
Apago acendo a luz do quarto
Fecho abro janelas sobre a Guanabara
Já não penso mais em nada
Meu olhar vara vasculha a madrugada
Anjo exterminado
Olho o relógio iluminado anúncios luminosos
Luzes da cidade, estrelas do céu
Me queimo num fogo louco de paixão
Anjo abatido
Planejo lhe abandonar
Pois sei que você acaba sempre por tornar ao meu lar
Mesmo porque não tem outro lugar onde parar



MAL SECRETO
)Jards Macalé/Wally Salomão)


Não choro
Meu segredo é que sou um rapaz esforçado
Fico parado, calado, quieto
Não corro, não choro, não converso
Massacro meu medo, mascaro minha dor
Já sei sofrer
Não preciso de gente que me oriente

Se você me pergunta: "Como vai?"
Respondo sempre igual: "Tudo legal!"
Mas quando você vai embora
Morro meu rosto no espelho
Minha alma chora

Vejo o Rio de Janeiro
O morro não salvo, não mudo
Meu sujo olho vermelho
Não fico parado, não fico calado, não fico quieto
Eu choro, converso
E tudo o mais jogo num verso
Intitulado mal secreto

Tuesday, December 19, 2006

Torta Torta

Às vezes te ofereço uma torta torta na vasilha
desmanchada além de sua estranheza.
Às vezes minha impropriedade
empilha meu cansaço ao seu.
Às vezes, toco tambores
quando o que se pede
é tua sincera sonoridade de oboé.
Às vezes falho, como falhas provocam terremotos.
Eu sou assim, mortal como uma flecha,
e transitória, cujo alvo é o nada.

Eu sou a rota sola
de um sapato roto e furado
em seu caminhar de desatino.
Eu sou aquele que persegue
inconcretudes marmóreas,
nuvens nunca evanescentes,
destino de alvoroço.
Eu sou o alvoroço
e comigo vorazmente trago tudo.
Eu não sou a luz, a verdade e a vida.
Eu não sou promessa de nada.
Eu estou chegando à conclusão de que
há sempre escuros olhares por trás do escuro.
……
Eu faço uma prece como quem compra cenouras numa feira.
Eu quero que o gosto não cubra outro gosto
e que tudo na língua seja novo:
paladar, primor, palavra, primavera.

(zé eduardo)

Sunday, December 17, 2006

HURT

I hurt myself today
to see if I still feel
I focus on the pain
the only thing that's real
the needle tears a hole
the old familiar sting
try to kill it all away
but I remember everything
what have I become?
my sweetest friend
everyone I know
goes away in the end
and you could have it all
my empire of dirt

I will let you down
I will make you hurt

I wear this crown of thorns
upon my liar's chair
full of broken thoughts
I cannot repair
beneath the stains of time
the feelings disappear
you are someone else
I am still right here

what have I become?
my sweetest friend
everyone I know
goes away in the end
and you could have it all
my empire of dirt

I will let you down
I will make you hurt

if I could start again
a million miles away
I would keep myself
I would find a way

Saturday, December 09, 2006

Infância








Como se espíritos fossem
(e hoje espíritos são)
mamãe e seu pai pairam no ar
ao som da vitrola que martela, sincopadamente,
a valsa do imperador de uma distante Áustria.
E meu sangue borbulha em suas origens
e meu coração dança em três por quatro
como um pequeno instantanêo do passado.
Lá estou eu, menino, sempre imerso em solidão
(que parece ter se instaurado em mim como destino).
A tia serve o ponche na antiga jarra
(única testemunha de duvidoso fausto),
pia batismal cristã, dionisíaca,
o sincretismo da pipoca e do prazer
da criança que pode ir dormir muito tarde
que alguém cuidará de que haja amanhã para amanhecer.
Era tudo tão singelo,
mesmo os homens atravessando a madrugada no baralho
enquanto as mulheres desfiavam entre gargalhadas suas mazelas,
tudo tão doce como fios de ovos cobiçados antes da ceia.
Hoje não há mais amanhã.
Hoje ninguém garante o sofá onde dormi ouvindo as vozes evanescendo como mágica.
Hoje estou taciturno como a chuva que respinga o dia todo em um lamento.
Hoje eu lamento que haja a chuva onde antes havia, de manhãzinha, a garoa.
O que eu aprendo, hoje, é mais uma apreensão que o aprendido.
O bate-estacas abala fundações de uma alma que nunca será terminada.

Praia do Engenho, 15 de Julho de 2000

Tuesday, December 05, 2006

Nostalgia





Chão de Estrelas

Minha vida era um palco iluminado
E eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão lá no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do Sol a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher, pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional.
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
E tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
(Orestes Barbosa)

Saturday, November 25, 2006




Esta é a minha trigésima sétima vista do Monte Fuji. Tks, Hokusai, for all your beauty






Quanto tu rostro, desde um sencillo marco
Resplandecia sobre la mesa
Yo olvidaba la valentia, la gloria e las hazañas
De esta amarga tierra.
Pero llegó la hora de tu partida
A la noche lancé el anillo de los recuerdos
Tu entregaste tu vida a outro
E yo olvidé tu belo rostro.
Los dias volaban e giravam como um enjambre maldito
La pasión e el vino me reducian a escombros.
Te recordaba ante el altar
Y llamándote, llamava a mi juventud.
Te llamava pero no respondias.
Lloré, pero no te comovieran mis lagrimas,
Envuelta dolorosamente en tu capa azul
Te tragó la noche húmida.

Amor, dulce amor
No sé donde fué a refugiarse tu orgullo herido...
En sueños sigo viendo tu capa azul
Y la noche húmida que te arrancó de mi lado.

Ahora es imposible soñar en ternuras o glorias,
Todo pasó, la juventud pasó,
Y mi mano cansada
Retiró de la mesa su retrato.

(Alexander Blok, 1908)

Thursday, November 16, 2006

Movimento dos barcos

(Jards Macalé e Capinan)

Estou cansado e você também
Vou sair sem abrir a porta
E não voltar nunca mais
Desculpe a paz que eu lhe roubei
E o futuro esperado que eu não dei
É impossível levar um barco sem temporais
E suportar a vida como um momento além do cais
Que passa ao largo do nosso corpo

Não quero ficar dando adeus
As coisas passando, eu quero
É passar com elas, eu quero
E não deixar nada mais
Do que as cinzas de um cigarro
E a marca de um abraço no seu corpo

Não, não sou eu quem vai ficar no porto
Chorando, não
Lamentando o eterno movimento
Movimento dos barcos, movimento

Wednesday, November 15, 2006

Converso com meus filhos pelo MSN e a saudade bate brutal. Eles são minha luz, minha esperança, tudo pelo que sempre vivi na vida. Continuo ouvindo os sapos e olho a casa em torno toda encaixotada para uma nova mudança. Como nem tudo caberá em minha nova casa, distribuo livros, móveis, quadros, aguardando que um dia consiga colocar tudo sob o mesmo teto. Assim como espero um dia reunir minha prole sob o mesmo teto. Deve ser, alem do amor, um sentimento arraigado, esta vontade ancestral de reunir a família na mesa de refeições, prepapar os pratos para eles, me cercar de tudo o que eles têm de doce, de amargo, como se o amargo fosse apenas o gosto de um licor depois do almoço. Felipe, Sophia, Olivia, meu amor todo para vocês.
Como nos sonhos,
Detrás do rosto que nos olha não há ninguém.
Anverso sem reverso,
Moeda de uma só efígie, as coisas.
Essas misérias são os bens que o precipitado tempo nos deixa.
Somos nossa memória,
Somos este quimérico museu de formas inconstantes,
Esse montão de espelhos rotos.
(J.L. Borges)

Saturday, November 11, 2006

Tuesday, November 07, 2006

Os sapos não coacham.
Os sampos mantram a noite,
chocheiam melodias concertadas,
engolem incautos transeuntes
a voar no espaço aéreo da eterna solidão do brejo.
Os sapos mergulham na umidade das coisas
e dela extraem o canto que os inflam
como balões em festa.
Os sapos cantam para que durmamos
o sono de todos os anjos que invocam
no coral de água doce,
fluido, vozes de girinos
treinados desde cedo a secar na secura do tempo futuro.
Os sapos melifluam, imaginam que não imaginam.
Os sapos são a vida presente.
(Zé)

Monday, October 30, 2006

Si se ha de escribir correctamente poesía
no basta con sentirse desfallecer en el jardín
bajo el peso concertado del alma o lo que fuere
y del célebre crepúsculo o lo que fuere.
El corazón es pobre de vocabulario.
Su laberinto: un juego para atrasados mentales
en que da risa verlo moverse como un buey
un lector integral de novelas por entrega.
Desde el momento en que coge el violín
ni siquiera el vals triste de Sibelius
permanece en la sala que se llena de tango.

Salvo las honrosas excepciones las poetisas uruguayas
todavía confunden la poesía con el baile
en una mórbida quinta de recreo,
o la confunden con el sexo o la confunden con la muerte.

Si se ha de escribir correctamente poesía
en cualquier caso hay que tomarlo con calma.
Lo primero de todo: sentarse y madurar.
El odio prematuro a la literatura
puede ser de utilidad para no pasar en el ejército
por maricón, pero el mismo Rimbaud
que probó que la odiaba fue un ratón de biblioteca,
y esa náusea gloriosa le vino de roerla.

Se juega al ajedrez
con las palabras hasta para aullar.
Equilibrio inestable de la tinta y la sangre
que debes mantener de un verso a otro
so pena de romperte los papeles del alma.
Muerte, locura y sueño son otras tantas piezas
de marfil y de cuerno o lo que fuere;
lo importante es moverlas en el jardín a cuadros
de manera que el peón que baila con la reina
no le perdone el menor paso en falso.

Quienes insisten en llamar a las cosas por sus nombres
como si fueran claras y sencillas
las llenan simplemente de nuevos ornamentos.
No las expresan, giran en torno al diccionario,
inutilizan más y más el lenguaje,
las llaman por sus nombres y ellas responden por sus nombres
pero se nos desnudan en los parajes oscuros.

Salvo honrosas excepciones ya no hay grandes poetas
que parezcan vendedores viajeros
y predican o actúan e instalan su negocio
en dios o en la taquilla de un teatro de provincia.
Ningún Misterio: trucos del lenguaje.
Discursos, oraciones, juegos de sobremesa
todas estas cositas por las que vamos tirando.

Si se ha de escribir correctamente poesía
no estaría de más bajar un poco el tono
sin adoptar por ello un silencio monolítico
ni decidirse por la murmuración.
Es un pez o algo así lo que esperamos pescar,
algo de vida, rápido, que se confunde con la sombra
y no la sombra misma ni el Leviatán entero.
Es algo que merezca recordarse
por alguna razón parecida a la nada
pero que no es la nada ni el Leviatán entero
ni exactamente un zapato ni una dentadura postiza.

Enrique Lihn


Um achado, este poema de im site chamado poesia.com, que a gente assina e recebe um poema por dia.

Saturday, October 28, 2006

Venta como praia neste quase deserto. Deito na rede, leio os jornais do dia, alguns em desespero por a verdade não bater com suas concepções de realidade (sempre assim, os perdedores), daqui a pouco como uma lasagna feita num ponto ideal por Val, minha fiel trabalhadora do lar.

Thursday, October 19, 2006

O quadro aí embaixo é meu, e é uma leitura de A Expulsão do Paraíso, de Masaccio.


Nel mezzzo del camin

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma dos sonhos povoados eu tinha…

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

(Olavo Bilac)

Sunday, October 15, 2006

Num domingo de manhã, baixa, ou não baixa, vem da noite e continua essa distensão do tempo para aquém dele mesmo.




Às vezes um homem se levanta do jantar
e sai porta afora, e continua andando,
por causa de uma igreja
em algum lugar do Oriente.

E seus filhos rezam por ele como se estivesse morto.
E outro homem, que permanece em sua própria casa,
lá morre, dentro dos pratos e copos,
para que seus filhos tenham que sair para o mundo
atrás da mesma igreja, que ele esqueceu.

Rainer Maria Rilke

Saturday, October 14, 2006

As paixões e seus punhais que nos dilaceram fazendo com que sangremos lenta e inexoravelmente.
Acordar assim cedo, com uma memória de desastre.
Não ter mais vontade de dormir. Sair arrumando a casa, discos, livros, lavar a louça, passar o tempo, olhar dentro do guarda roupa e deixar tudo como está.






Canto do Brasileiro Augusto Frederico Schmidt



Não quero mais o amor,

Nem mais quero cantar a minha terra.

Me perco neste mundo

Não quero mais o Brasil

Não quero mais geografia

Nem pitoresco.



Quero é perder-me no mundo

Para fugir do mundo.



As estradas são largas

As estradas se estendem

Me falta é coragem de caminhar.



Sou uma confissão fraca

Sou uma confissão triste

Quem compreenderá meu coração?



O silêncio noturno me embala

Nem grito. Nem sou.

Não quero me apegar nunca mais

Não quero nunca mais.

Wednesday, October 11, 2006

A musa nas sombras.
Aqui, numa das esquinas mais bonitas de São Paulo, olhando o parque da Sabesp da janela do estúdio de meu grande mano Zabarov, o manobrowser.com.br, penso sobre as musas e as sombras. E os contrastes, e de como o movimento constantes dos carros e onibus dobrando a curva compoem um visual mais do que cinematográfico - eu diria, almatográfico, se o vernáculo me permite. Tudo brilha discretamente e sem opacidade. Há calma e transparência neste anoitecer quase epifania. Aqui eu me uno fiat lux andando numa vida mille, simples, que requer pouco combustível para criar e atravessar as quebradas. Ando e estou simples como um lápis, um sino de igreja. Depois de muito tentar, acendi de madrugada um fósforo que durou até eu rezar toda uma Ave Maria. E dormi, e durmo, e sonho.

Thursday, October 05, 2006

Somos todos poetas



Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.

(Murilo Mendes)

Sunday, October 01, 2006

Meu pai e meu coração


Meu pai, o grande, imenso Clodoaldo Mendonça, foi o homem que me despertou a paixão pela literatura. Finalmente, tenho um retrato dele, pouco mais de um ano antes de sua morte, em meu criado-mudo, e sempre olho para ele antes de dormir. Muita saudade de um homem que pouco se comunicou mas que com seu olhar e sua doçura sempre soube dizer o que era relevante. Creio que seu espírito de alguma forma permeia tudo que faço. Me ensinou também a pegar gosto pela música, de todosos tipos, de Trio los Panchos a Beethoven,
Hoje me lembrei de uns versos de um cantor que sempre freqüentava a vitrola de casa, Altemar Dutra:
Que culpa tenho eu, se tudo se perdeu, e tu quiseste assim, e então que queres tu de mim, se até o pranto que chorei, se foi por ti, não sei.
Este se foi por ti não sei não é brincadeira. Alguém aí sabe porque sempre chora?

Friday, September 29, 2006


Resolvi publicar um conto escrito há muito tempo.

LONGE, PERTO



“Que odiosa manhã para se perder os óculos”, resmungou Orlando enquanto levantava a perna esquerda para logo em seguida colocá-la no primeiro degrau da porta de entrada de um ônibus que certamente não era aquele que o desejava todas as manhãs defronte do prédio cinzento onde no nono andar o esperavam uma escrivaninha de mogno e uma secretária.
Acostumado a abrir os olhos apenas no ponto onde o ônibus parava por instantes a mais do que nos pontos normais, e onde ele concluía ser o ponto final, Orlando dormiu durante quinze minutos com tortas de maçã, um batiscafo que se chamava Norma e procurava por escalopinhas num mar de doces de abóbora, e mais uma porção de cenas altamente culinárias incompatíveis com uma única xícara de café preto depositada em seu estômago em jejum.
Orlando percebeu que chegara ao ponto final, uma mensagem atravessou o meio do frango no meio do sonho e ele abriu os olhos para a realidade fosca e embaçada do lado de fora da janela do ônibus.
Dentro do ônibus não havia mais ninguém a não ser ele mesmo. Levantou-se desajeitamente, deu um gemido ao sentir um princípio de torcicolo por ter dormido com a cabeça totalmente encaixada entre o banco e a parte metálica de cima do encosto e caminhou lentamente até a saída. Não estava curioso nem espantado, parecia que sua cabeça ainda estava mergulhada na atmosfera culinária do sonho quando apertou os olhos para tentar focar um pouco a paisagem a seu redor e enxergou um senhor de roupa e boné azuis, que presumivelmente seria o chofer do ônibus.
- Senhor, poderia me informar onde estou?
- No jardim.
- No jardim o quê?
- No jardim, ora. Por que deveria ser jardim alguma coisa?
Orlando ia dizer que era pela força do costume, que havia vários bairros que eram jardim qualquer coisa, mas desistiu da argumentação, esfregou os olhos, tornou a apertá-los mais, um pouco mais para poder prosseguir na conversa. Ao abrir os olhos percebeu que não poderia continuar com suas perguntas com as quais conseguiria se orientar - o chofer tinha desaparecido.
Agora parecia não haver mais nada no seu campo de visão, por mais que esforçasse os olhos que estavam muito vermelhos e começavam a lacrimejar.
“Merda”, resmungou Orlando, tirando de um dos bolsos do paletó de homem prevenido um pequeno vidro de colírio, pingando-o lentamente, até os olhos estarem azulados e uma remela boiar na camada líquida. Neste instante começaram as preocupações. Como voltar, se não havia mais nenhum ônibus, e nem ao menos chofer ou ponto de partida? O que dizer no trabalho? O que dizer em casa? O que dizer agora, e para quem?
Orlando sentou-se no chão (era o único visível para tal propósito), não sem antes forrá-lo com um lenço bordado com suas iniciais, e acendeu um cigarro. Após absorver a horrível primeira tragada com gesto de pólvora pensou em fazer uma massagem nos músculos do pescoço, e que se isto não trouxesse resultados favoráveis para o seu torcicolo, pelo menos lhe daria tempo para começar a cogitar alguma coisa sensata.
- Bom dia, senhor. Sente-se bem?
Orlando virou a cabeça para cima num repente, esquecido do incoveniente de gestos repentinos em determinadas horas, resmungou um palavrão, esfregou os olhos e deparou novamente com a figura do motorista.
- Não tão bem. Onde posso tomar o ônibus de volta?
- Ônibus de volta? De volta para onde?
- De volta para o lugar de onde eu saí.
De uma maneira mais incrível que a comum, Orlando não perdia a calma.
- Desculpe, senhor. Eu não sei do que o senhor está falando. Eu nem mesmo tinha idéia de que se pudesse sair de algum lugar, ou mesmo que houvesse algum outro lugar.
Decidamente aquele não era o motorista do ônibus, se é que houvera algum ônubus, e como no caso dos jardins, Orlando novamente tendia para as generalizações fáceis ao pensar que toda pessoa com roupa e boné azuis tivesse que ser forçosamente um motorista de ônibus. Não precisou apertar os olhos novamente para perceber que o homem havia desaparecido. Na falta de esperanças ou cabinas telefônicas, Orlando deu outra tragada no cigarro, que já tinha se apagado, deixando na boca um gesto de cinzeiro sujo. “Merda”, resmungou Orlando. Cuspiu e atirou o cigarro longe (longe?perto?).

Wednesday, September 27, 2006

Poema de aniversário

Nada tão estranho
que a solidão não saiba.
Nada de novo, e as paredes revestidas
de um tempo
em si mesmo antigo.
Nada, nada, nada,
ninguém nem ao longe do abraço,
terno corpo, desfeita matéria,
rotos entretecidos de peculiar costura,
tudo que você nega e quer e abraça em sonhos,
tudo o que eu sou e tento me negar
para que você não mais me queira,
tanto esconderijo, figa e tijolo,
escorpiões, precária arena,
lenta morte, dor, juntas da alma,
e eu nem nunca sei porque te quero tanto.
Eu quero beber o orvalho das pétalas da sua flor.
Eu quero ver sua flor se abrir na comunhão mágica do amor.
Eu quero sentir a chuva que despenca da sua alma,
entrar em seu pequeno sol, redondo feito hóstia,
onde você me faz caber e me aperta e me acarinha
e me traz pra tão mais perto do que eu sou.
Eu quero navegar nas suas ondas,
rasgar suas águas com meu casco,
mar que me responde e me respinga,
eu que molhado me entrego totalmente a suas marés.
Eu quero suas marés, de lua nova e plenilúnio,
seu movimento que fustiga os corais
e traz à superfície as estrelas, as anêmonas,
eu quero me embrulhar em suas algas
e com elas me cobrir, na verde dança da fertilidade.
Eu quero sua fertilidade, sua dimensão toda de fêmea,
eu quero acolher os estilhaços das explosões
da sua intensidade.
Eu quero que eles me marquem o corpo,
me fustiguem de luz e aturdimento.
E que você se deixe em mim.

Monday, September 25, 2006

Estancar a umidade do desejo
com um dique feito de miséria,
afastar o tempo qual pele indesejada,
e trocá-la pela epiderme que apenas sobrevive,
jogar fora as cascas das frutas intocadas
em uma cesta onde as moscas apenas não apodrecem,
evitar o toque que anima o que se quer manter desanimado.
Rezar de joelhos à beira do leito onde mais uma vez a solidão habitará,
tentar trazer de volta os sonhos antes mesmo que o corpo adormeça e a alma sonhe
o que prefere na manhã se dissolver,
dedos a suar dentro de luvas
a evitar tudo que o contato não trará,
tênue gaze a cobrir feridas que não se enxerga
e que talvez nem valham mais a pena de existir.
(E tudo gira em espiral medonha
a conspirar contra a luz dos corações,
medo que transpira das entranhas
do súbito assalto aos sentidos.
Pequeno catamarã nas ondas,
fitando o gigantesco desafio de águas turvas,
meu barco, minha ilusão,
casca inútil contra as rochas das costas de mares infindos.)
Pulsar de coma induzido,
respirar só para estar vivo,
cercado de aparelhos
que a sensatez preferiria desplugar,
ventilar de balões entubados na garganta,
a leve brisa onde antes residia o ar.
Brincar de estar sozinho,
única estrela em céu único contra um pano azul
a refletir a dimensão dúbia do nada.
Insistir no canto
para ouvidos que há muito quedaram surdos,
plantar em sulcos áridos sementes que não vingarão,
apostar em jogo inconsútil
de números marcados por mau hábito,
jazer de barriga para o alto num inclemente sol
de um feriado sem aviso.
Deixar a plenitude se estender em território exígüo,
jardim em que as flores não atrapalhem
o que tortas raízes teimam em preservar.
Arder qual combustão do inferno
sem o calor da desejada insolação,
seco plenilúnio dos sentidos
em céu crestado de horror.
(Pálido exercício de voracidades mortas,
ambígüa moradia de fugazes contornos,
sutis tentativas de se gritar
o que se deve agora dizer em sussurro.)
Órbitas que saltam das esferas,
incredulidades de peixes batendo em paredes de aquários,
sem saber que ali finda a vida.
(j.e.m.)

Saturday, September 23, 2006


Anima

Meu amor persiste em permanecer
como a poeira no plissado de uma saia,
a repousar quando o corpo feminino se aquieta,
e se mexer quando as coxas se alternam em seus passos,
e as dobras do tecido semelham a própria medida do tempo.
……..

Eu não sei mais como vim parar aqui,
a alinhavar metáforas e cozer um tecido esgarçado
para que ele possa de novo ser aproveitável como a vida.
Eu só sei que vim parar aqui onde as as arquiteturas são a um tempo ruína e construção,
eu só sei que habito uma ruidosa cidadela cujos muros não mais a protegem;
eu só sei que as pernas das moças continuam caminhando nas ruas, enfiadas em ônibus,
trânsito, becos, ciladas, ladeiras,
e no frear repentino que revela
insuspeitadas intimidades.
Eu só sei que tudo se move, e muito,
e que eu, como a poeira, estou em um tecido que se abre e fecha,
até que alguma mão me espane e eu possa flutuar
no raio de luz que vem da minha janela.
……….

Até lá eu espero, ou não espero:
apenas passo o tempo todo,
e a cada vez passo de novo como um outro e dele me aproximo.
estou aqui e não estou,
estou onde o amor me manda estar e eu,
sem resignação, obedeço.
Não transijo, obedeço.
Eu sei ter medo do amor que se recusa.
Obedeço.
E meu ser se espalha como a umidade no box do banheiro.
Molha, escorre, seca,
torna a molhar, escorrer, secar,
todo dia, todo o tempo,
todas as dobras da saia que é minh’alma.

(josé eduardo mendonça)

Thursday, September 21, 2006

Danza de murte – fragmento

2
La noche, la calle, el farol, la farmácia,
Una luz mortecina y absurda.
Aunque vivieras outro cuarto de siglo
Todo seguirá igual. No hay salida.

Morirás, volverás a comenzarlo todo de nuevo
Y todo se repetirá como antes.
La noche, las ondulaciones frias del canal,
La farmácia, la calle, el farol.

(Alexander Blok, 1912)

Wednesday, September 13, 2006

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu
endereço
O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos
os papéis onde eu escrevera meu nome
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas
O amor comeu metros e metros de gravatas
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos,
o tamanho de meus chapéus
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de
meus cabelos
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite,
meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte

(João Cabral de Melo Neto)

Uma tosse tá carcomendo meu peito feito uma traça que se enfia pelas fibras dos tecidos abrindo caminho a dentadas.

Sunday, September 10, 2006


Como nos sonhos,
Detrás do rosto que nos olha não há ninguém.
Anverso sem reverso,
Moeda de uma só efígie, as coisas.
Essas misérias são os bens que o precipitado tempo nos deixa.
Somos nossa memória,
Somos este quimérico museu de formas inconstantes,
Esse montão de espelhos rotos.
(J.L. Borges)



Escrevo em um computador, mas meu coração está sempre em minha olivetti lexington 80, no tec-tec que irrompia madrugadas, eu garoto escrevendo meus contos, traduzindo os primeiros livros, sempre certo de que haveria um amanhã. Mas estas formas inconstantes, esse montão de espelhos rotos, e a constatação de que a olivetti, embora exista - tenho uma em meu quarto - não mais será batucada, de que aquela intimidade que jorrava de meu datilografar de oito dedos agora quer se examinar e reexaminar antes de sair de seu poço num baldinho puxado por uma corda tornada muito longa.

Thursday, September 07, 2006

É que me fiz prender por um entusiasmo de corpo e alma dos movimentos da vida e os vivo com uma intensidade pasmosa. Um dionisismo sem êxtase, uma confiança sensual, uma fé sistematizada em tudo e uma certeza permanente e perdoadora na imbecilidade do homem . E isso vibra em toda a minha obra. Sentimento trágico da vida? Sim: sentimento trágico da vida.
(Mário de Andrade, em carta a Alceu Amoroso Lima)

Wednesday, September 06, 2006

Agora sim, o céu despenca imoderamente, num período em que deveríamos colocar toalhas molhadas nas guardas das camas para nos protegermos contra a seca. Ou as gotas caem em tamanho desmesurado ou chove granizo, o que seria difícil acreditar, mas minha tentativa de verificação resultou em um braço ensopado assim que abri a porta do terraço do meu quarto. Sunt lacrimae rerum. E como.
E dói hoje, o tempo. E martela, insiste, como entidade que não quer ser roubada nem em um segundo e afirma seu poder sobre mim. E doem lembranças, rememorações, reminiscências, um passado vivo como ave que se esquarteja como pássado na vidraça em tentativa de auto-contemplação.
Melhor assim, com a tempestade. Como afirmação e secretária dos prenúncios. Rabixo de lagartixa que se remexe mesmo depois e além da lagartixa, assim são as lembranças, além de nossa vontade de decidir se as queremos ou não.

Monday, September 04, 2006


Venta, e venta, mas não há morros, e muito menos uivantes. Tudo aqui é uma planície num lugar muito alto, onde se cultiva mais que tudo a solidão.
As janelas batem e alimentam meus fantasmas, minha rígida máscara se desmancha e se estatela no quintal como os torrões de terra desta seca, branca poeira de uma alma branca, terra vermelha de uma alma rubra, reverberação de sonho.
Ainda

Ainda que a luz baixasse oblíqüa
sobre as formas da manhã
que incandescesse avermelhada.
Ainda que nuvens corressem
e nelas víssemos,
feéricas crianças aturdidas,
moças, bolas, elefantes,
pés sinuosos a pisar
o desparelho caminhar dos dias.
Ainda que a terra se abrisse
e tragasse a tudo e junto o livro
que mãos inexatas continuam a escrever.
Ainda que flores brotassem
de terrenos inexatos
e espalhassem seus aromas
no rarefeito ar de uma vida rarefeita,
mesmo tudo isso mal seria
um torto aval para que o tempo prosseguisse.
Ainda que teus lábios me amassem,
e teus olhos, e a doce carne da proximidade,
tua fala amorosa condensada
nas púrpuras palavras do teu sexo,
Ainda que teu seios alvos
despertassem em minha boca,
me convidassem à plenitude
de te saber minha.
Ainda que com teu pulso,
cada segundo mais intenso,
inventasses a coreografia
dos corpos que se bailam,
sôfregos gestos das mãos
em busca do gozo da vida.
Ainda que a ciência se desvanecesse
e tu restasses desnuda
em toda tua intrincada geometria.
Ainda que você trouxesse sempre
os espelhos mesmos
de um caleidoscópio vário.
Ainda que o martelar dos deuses
forjasse a arma que um dia iria me matar,
ainda assim eu te convidaria,
minha trama de tecidos tergiversos,
minha cama de lençóis disparatados,
minha alma de tantas e todas aventuras,
ainda assim eu te convidaria a partilharmos
os destinos que habitam nossas vidas.

Sunday, September 03, 2006

Tempo

O melhor de tudo terá sido sempre o tempo.
Tempo do azeite que desce pela folha
E do sal que dele se abebera.
Tempo do incenso que se queima e se desfaz
E espalha em fumo a morte doce e indolor.
Tempo que passa, trem fora do tempo,
Trilhos de aço forjados na estação.
Folha a cair no outono,
Sal, azeite,
O tempo todo miolo da vida.


Este poema escrevi em meus primeiros dias de Brasilia. Eu ainda nao sabia que seria seduzido pela cidade, o que na época era impensável, mas talvez já presentisse que aqui ganharia uma percepção diferente do tempo e, totalmente diferente, do espaço. Hoje, um ano e pouco depois, e anos luz daqueles primórdios, olho o horizonte pela janela de meu quarto/estúdio, percebo como foi dura a trajetória, afastado da minha São Paulo e principalmente de meus filhos e amigos, e reconstruo, em bases nem sempre firmes, que por vezes tenho de erguer como que do zero. O tempo, que ainda não esclareceu o quê vim fazer aqui e, mais, porque tenho aqui um projeto de futuro que oscila mas aos poucos vai tomando forma, como o azeite que arredonda e cai como uma pequena esfera sobre a folha de alface. E cai como uma lágrima de amor.

Saturday, September 02, 2006


antes tarde...


Há algum tempo, lancei meu blog, do qual cuidei uns três dias. Vou tentar de novo. Quero colocar neste espaços meus textos, fotos, observações, como forma de partilhá-los com vocês, meus leitores. Pra estrear, resolvi colocar um poema recente, de anteontem.

Talvez se eu acordasse no meio da noite
E me ejetasse do avião da vida
E sem para-quedas eu me projetasse
Para o solo de onde de qualquer maneira eu vim.
Talvez se eu repetisse a rapsódia
A jornada do herói, o cântico dos cânticos,
Um mísero passeio de motocicleta que fosse
Antes que minhas pernas se quebrassem como vidro.
Talvez se em frente ao espelho eu acordasse
Como quem acorda de uma oração dita aos deus dará
Quem sabe assim me recuperasse do que em mim ainda eu sou.
Talvez nada mais disso, e nem daquilo, ou daqueloutro,
Porque soam em mim como trombetas
Os guizos que hão de me atar à minha loucura.

Bsb 31/08/2006


Pronto. Simples, até agora. E vou acrescentar uma imagem, pra ficar mais bonito. A foto é do altar de uma pequena igreja que fica naquela rua do sindicato dos metalúrgicos, em São Paulo cujo nome me foge agora.
Choveu no meio da seca aqui em BSB, parou e chover, estou afônico e vou ao Boi do Seu Teodoro.