Saturday, December 29, 2007

Tudo

Ainda que fostes um porto diferente a cada dia
(como tenho certeza que tu és),
Eu deles zarparia contigo sem temor rumo sempre
A tudo que não sei e que te descobre e te desvela,
Panos enfunados pelos ventos da fortuna,
Movimento de teus ciclos, luas adernadas em céu
De uma amplitude em que feliz mergulho
Eu que te sei tão pouco e te intuo tempestade,
Cheiro da água a molhar o chão tão seco,
O que brota de ti, borbotões de suco e sede,
Alvura de tecidos que perguntam
Onde fostes achar os solos que agora pisas,
Onde me achastes, eu que tomava por ser
Inabordável, a avançar na defesa de terras sacras
Dominadas por deuses amargos e furibundos
A clamar: não vás, não fiques, estatuária vã
De empedernidos sentimentos.
Hoje meu coração se abre como as torneiras de fontes sempre abertas,
Hoje eu, barroco, olho arquiteturas voltadas a um céu que desvendastes,
Hoje eu, gótico, como tudo que mira acima em reverência,
Caminho a passos plenos na direção de tudo que iluminas.

29.12.2007

Nem tudo

Você não é bloco, quadra, céu, esplanada,
Vizinhança, igrejinha, faisão dourado,
Piauí, boteco na Vila Planalto,
Cachaça em tudo que é canto bom,
Legumes em Vargem Bonita,
Boteco da Dani, tempestades com ela vividas
Na nudez mágica dos clarões no horizonte.
Você não é o palmilhar tateante da clínica
Onde no sudoeste a cura tenta encontrar o paciente.
E nem tampouco tudo que é gelado e pedregoso
Numa chapada em que achei muito mais que água e rochas.
Você não é um território. Ou uma conquista.
Ou as flechas que quedam amortecidas nos escudos
Sem jamais terem tido alvo claro
por conta de sua exigüidade como arma.
Você não é o abandono do córrego do Palha,
Seus morros de tantos ventos uivantes.
Você não é nem maracatu nem frevo nem samba
Nem todas as manifestações pastoris verde-amarelas.
Nem pára-choque de caminhão a dizer
Eu sou tão teu.
Você tem os pelos lisos dos mais íntimos dragões
A expelir fogo apenas por costume.
E eu aqui com esta cara de paisagem
Miro você, quadro, moldura, cena, pele,
De tudo que quero e ambiciono e desejo e amo.

28.12.2007

Monday, December 24, 2007

Mal das pernas

São estas tuas andarilhas pernas,
Ainda que rotas,
A te levarem até mim.
São estes teus desejos bandoleiros,
Esta tua sensibilidade para a margem,
Teus desenhos de improváveis equilíbrios,
Teu abraçar as formas inconsúteis,
Teu sobrenatural dom de atravessar paredes
O que remete a este doce estado amoroso,
O espernear de tuas rebeldias
O bater de douradas sapatilhas
Em chão de minérios insuspeitos
De tuas geraes amplas, das colinas temperadas
Pelo marchar dos ancestrais
Aos quais tú tão singular prestas tributo.
São teus distantes e silentes soluçares
Nas despovoadas madrugadas de tuas dores
Que eu reluto, e luto, sempre, em habitar.
São estes teus jardins,
Oceanos vistos das serras,
É esta sede de teus córregos perenes,
É este imaginar que tuas águas nunca irão secar,
São estes divinos gestos:
O me sentar à tua mesa,
O me espargir no horizonte de teu verde,
Me encantar em tudo que em ti é acolhimento e seio.
(Não sou de escrever longos poemas,
Acho que nem sei como fazer.
Mas em tua falta é assim que te falo:
Bicicletas de aros tortos,
Formigar de coisas que fingem dormir.
Eu desde que te conheço já dei a volta ao mundo
Em tua desprocura, e tu fostes tudo que encontrei.)

Sunday, December 23, 2007

Esta coisa tão tamanha














Venta, sopra, semeia,
Tremeluz, ilumina, incandesce,
Varre, desentranha, arrasta os horizontes
Deste redesenhar de mim.
Traz todos os detritos
E os gemidos e os gritos que um dia a terra há de comer.
Vem, me entrega tuas pernas inexatas,
Fala a rumorejar no eco
de tudo que é montanha.
Água viva que me queima de esplendor,
Onda a encrespar os rumos dos barcos todos,
Me chama a teu ancoradouro
Ainda, e bem, que ele se chame movimento,
E afaste e desalinhe qualquer permanência.
Eu quero você fluida, corrediça, pasmada, juntada junta
De desconexões tamanhas,
O que trafega na lentidão de cílios que se juntam
E abrem profusão, desencaminho, o que não se esperava nunca
E hoje, nesta madrugada, é tudo que eu sinto,
A imensidão de espaço pouco e vário,
Bastante para amar a vida toda.

22.12.2007

Friday, December 21, 2007

Faltava tanto pra dizer

Não é um verde da água,
nem de torneira, de mar, de rio,igarapés,
corredeiras, cachoeiras que despencam sobre mim
como teus cabelos,
nem das florestas densas que te cercam
contra tua teimosia de elas existirem.
É este verde que não defino,
que ninguém nunca poderia definir,
maravilhamento que escapa do que dele brilha e reluz.
É o verde de ti que culmina nos teus olhos,
o verde que queria deitado sobre mim sempre,
cor a se distribuir em luz de alvorada, anoitecer, tempo.

Zé Eduardo, 21.12.2007

Wednesday, December 19, 2007

A Morte Definitiva

Querer matar algo que não morreu
nem nunca esteve em sua hora fatal
é como acreditar no poder letal
das zarabatanas dos pigmeus de Bandar,
páginas tiradas de gibis da infância,
traços em preto e branco com a granulação
do sonho, do perdido e do desejo na solidão
de camas desarrumadas.
Querer cravar estacas a delimitar novos territórios
equivale a salgar as terras mesmas
para que nelas nada mais nasça,
ou vingue, ou cresça.
Querer empurrar para fora da vida
o que habita profundo dentro
é expulsar da alma o que nos dá pousada.

São Paulo, 19 de dezembro de 2007