Thursday, January 31, 2008

Pra dizer adeus

Este infecundo perseguir de nuvens,
poema que começa de seu fim.
Adriça de bandeiras, tramelas de portas que nunca se abriram
Ilusões arrebatadas dos cafundós da alma redescoberta
Morro que subiria hoje a pé nem que empoeirado achasse acima o nada,
Apenas para desencontrar o que nunca me foi dado como certo.

Zé Eduardo
30 de Janeiro de 2007

Saturday, January 26, 2008

Leve embora estas porcarias destas flores

Leve embora estas porcarias destas flores.
Eu não preciso delas.
Ou dos quadros. Principalmente dos quadros,
Trancafiados em um porão de onde talvez nunca mais saiam,
mandalas gritando sufocadas pela negação.
Não há mais que eu queira com nada disto,
meus fantasmas espraiados no quintal
no reino dos sapos, entes pegajosos, escorregadios,
lagartas a se tornar borboletas
embora se tornando jamais.
Leve embora estes milhares de palavras sem eco
que não mais minha alma tocam.
Leve embora teu corpo agora exíguo
de um leito adornado pelo quadro jamais visto a dois,
imagem feita pra nada, silêncio de panos amarelos
como as vestes de monges que orar ousaram,
vestidos só com os trajes de um ritual vazio e descartável,
na busca dos sentidos onde eles jamais moraram ou morarão.
Leve embora daqui teus agasalhos, panos um dia úteis para minha pele tão fria,
disfarces, engodos, onde tudo estava e nunca esteve e continua a estar,
como a coceira nos meus pés, como meus confusos cabelos
enfim ordenados como se o mundo tivesse chegado a um acordo
que nos abandonasse pra sempre,
sendo o sempre infindo fazer
a marca de nosso ser na vida.

Zé Eduardo

26/01/2008

Thursday, January 24, 2008

Teu vermelho

O rabanete é a prova mais cabal da existência de Deus.
Colhi teu vermelho em uma horta improvável
e o provei com a cristalina essência do branco,
mulher na qual a casca é o interior
onde pele e profundidade se misturam.
Assim aprendi o be-a-bá inédito dos sentimentos,
aprendi a entrega, as noites delirantes luminosas
de céu de teimosas estrelas, sempre na infinita trajetória,
negando os buracos negros que a tudo traga.
Assim sempre te adivinho,
tua magritude circular, teus recônditos silêncios
sempre a me dizer do tudo que ainda és não mais sendo.
E de teus nossos necessitarmos
como a polinização dos ventos
dos quais brotam flores inenarráveis.

Zé Eduardo, 24/01/2008

Wednesday, January 16, 2008

A longa viagem noite adentro

Um jato cruza o Atlântico
No inverso caminho das conquistas.
A bordo, a mulher fecha os olhos e sonha que dorme,
E mesmo fechados se adivinha seu brilho ansioso
(o mesmo que sempre tiveram em terra, perquiridores,
Além sempre de fronteiras comezinhas).
Isabel de Castela, Joana a Louca, Inês em nada morta,
Transposição de rios e São Franciscos, o cerrado a navegar
Na madrugada cristalina, visões abaixo tanto de zero,
Novas sensações interiores,
vísceras a chacoalhar sem turbulência,
a lua que tinge abaixo as nuvens em um tapete a se pisar,
branco e prata e solidão e caminho,
taça de vinho tinto a disfarçar o plástico jantar
e preparar o mesmo sono, de quem mais uma vez sonha que dorme,
e que preferiria talvez subitamente já estar lá,
passe de mágica de mãos inábeis que teimam em errar os movimentos,
ocultar da platéia o truque no qual nem se pensou,
necessária fuga de tudo, perplexo mirar do espelho no banheiro exíguo na cabine.
O ponto do não retorno, ilhas de silêncio trinta e três mil pés abaixo,
E o coração a tudo vê, o gordo que ressona na poltrona ao lado,
A moça que lê um livro, outra que atentamente segue o pasteurizado filme na tela
onde mal se vê quão belos seriam os ídolos na vida real, se existissem,
A tripulação que dorme seu exíguo tempo a caminho do hotel,
para o repouso que será pouco mais que um banho
e o consolo do frigobar antes da volta a casa nenhuma.
....

Um canal na tela mostra à mulher que fecha os olhos o instante de percurso.
Tanto ainda de mar a viajar, tanta distância ao destino inextricável do passado, fosse como por ele moldado:
Um futuro disforme e oblíqüo, a ser preenchido por momentos até sua definitiva forma,
até que a impermanência se solidifique a ponto de dizer,
aqui estou onde não estou e onde porventura estar quisera.

............

Um jato sobrevoa a fenda que desuniu os continentes,
E a mulher pensa em tudo que os preenche,
Tudo que acaso existe, estrelas que mal enxerga
Da janela embaçada pelo gelo.
E ela continua em seu dormir envolta alerta no tênue cobertor do avião e da vida,
Rumo a tudo que sempre sonhou, se dormisse.

Zé Eduardo
16/1/2008

Thursday, January 03, 2008

Os verdes todos de Ana Luíza

Água.
As pedras de uma pulseira que um dia minha mãe usou.
Os sinais de trânsito livres.
Uniformes de varredores de rua.
Uma bicicleta encostada na grade de um canal.
A fumaça de varetas de São João.
Os fogos de artifício no céu formando uma estrela enorme
A ofuscar todas as outras.
Um biquíni desbotado pelo uso, quase entregando os pontos.
Barra de saia.
Locomotiva.
Peixes.
Lâmpada na beira da banheira.
Sal de banho.
Absinto.
Uma placa que diz: Governador Valadares.
Em Governador Valadares, uma revista.
Um poeta português.
A invenção da paleta de Veronese.
Parques, árvores, mato, parcialmente flores.
Fronha de travesseiro na praia.
Folhas de música renascentista (ou seria medieval?).
Cana de açúcar, bambu.
Cachorro não. Gato também não.
Bicho gafanhoto.
Veias, em certas peles.
Unhas, em mulheres improváveis.
Maquiagem, idem.
Tsunamis sem areia ou barro ou morte.
Nada disso o mesmo verde
O ver-te mesmo dos teus olhos.

Zé Eduardo
3/1/2007