Wednesday, January 16, 2008

A longa viagem noite adentro

Um jato cruza o Atlântico
No inverso caminho das conquistas.
A bordo, a mulher fecha os olhos e sonha que dorme,
E mesmo fechados se adivinha seu brilho ansioso
(o mesmo que sempre tiveram em terra, perquiridores,
Além sempre de fronteiras comezinhas).
Isabel de Castela, Joana a Louca, Inês em nada morta,
Transposição de rios e São Franciscos, o cerrado a navegar
Na madrugada cristalina, visões abaixo tanto de zero,
Novas sensações interiores,
vísceras a chacoalhar sem turbulência,
a lua que tinge abaixo as nuvens em um tapete a se pisar,
branco e prata e solidão e caminho,
taça de vinho tinto a disfarçar o plástico jantar
e preparar o mesmo sono, de quem mais uma vez sonha que dorme,
e que preferiria talvez subitamente já estar lá,
passe de mágica de mãos inábeis que teimam em errar os movimentos,
ocultar da platéia o truque no qual nem se pensou,
necessária fuga de tudo, perplexo mirar do espelho no banheiro exíguo na cabine.
O ponto do não retorno, ilhas de silêncio trinta e três mil pés abaixo,
E o coração a tudo vê, o gordo que ressona na poltrona ao lado,
A moça que lê um livro, outra que atentamente segue o pasteurizado filme na tela
onde mal se vê quão belos seriam os ídolos na vida real, se existissem,
A tripulação que dorme seu exíguo tempo a caminho do hotel,
para o repouso que será pouco mais que um banho
e o consolo do frigobar antes da volta a casa nenhuma.
....

Um canal na tela mostra à mulher que fecha os olhos o instante de percurso.
Tanto ainda de mar a viajar, tanta distância ao destino inextricável do passado, fosse como por ele moldado:
Um futuro disforme e oblíqüo, a ser preenchido por momentos até sua definitiva forma,
até que a impermanência se solidifique a ponto de dizer,
aqui estou onde não estou e onde porventura estar quisera.

............

Um jato sobrevoa a fenda que desuniu os continentes,
E a mulher pensa em tudo que os preenche,
Tudo que acaso existe, estrelas que mal enxerga
Da janela embaçada pelo gelo.
E ela continua em seu dormir envolta alerta no tênue cobertor do avião e da vida,
Rumo a tudo que sempre sonhou, se dormisse.

Zé Eduardo
16/1/2008

1 comment:

  1. José Eduardo

    Muito lindo esse poema.
    Parabéns por ele e pelo blog todo... As fotos tb são bárbaras.
    bjs
    Vera Ligia Rangel(do aniversário da Yara)

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