Ainda
Ainda que a luz baixasse oblíqüa
sobre as formas da manhã
que incandescesse avermelhada.
Ainda que nuvens corressem
e nelas víssemos,
feéricas crianças aturdidas,
moças, bolas, elefantes,
pés sinuosos a pisar
o desparelho caminhar dos dias.
Ainda que a terra se abrisse
e tragasse a tudo e junto o livro
que mãos inexatas continuam a escrever.
Ainda que flores brotassem
de terrenos inexatos
e espalhassem seus aromas
no rarefeito ar de uma vida rarefeita,
mesmo tudo isso mal seria
um torto aval para que o tempo prosseguisse.
Ainda que teus lábios me amassem,
e teus olhos, e a doce carne da proximidade,
tua fala amorosa condensada
nas púrpuras palavras do teu sexo,
Ainda que teu seios alvos
despertassem em minha boca,
me convidassem à plenitude
de te saber minha.
Ainda que com teu pulso,
cada segundo mais intenso,
inventasses a coreografia
dos corpos que se bailam,
sôfregos gestos das mãos
em busca do gozo da vida.
Ainda que a ciência se desvanecesse
e tu restasses desnuda
em toda tua intrincada geometria.
Ainda que você trouxesse sempre
os espelhos mesmos
de um caleidoscópio vário.
Ainda que o martelar dos deuses
forjasse a arma que um dia iria me matar,
ainda assim eu te convidaria,
minha trama de tecidos tergiversos,
minha cama de lençóis disparatados,
minha alma de tantas e todas aventuras,
ainda assim eu te convidaria a partilharmos
os destinos que habitam nossas vidas.
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