Wednesday, September 13, 2006

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu
endereço
O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos
os papéis onde eu escrevera meu nome
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas
O amor comeu metros e metros de gravatas
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos,
o tamanho de meus chapéus
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de
meus cabelos
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite,
meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte

(João Cabral de Melo Neto)

Uma tosse tá carcomendo meu peito feito uma traça que se enfia pelas fibras dos tecidos abrindo caminho a dentadas.

1 comment:

  1. This comment has been removed by a blog administrator.

    ReplyDelete