Saturday, September 23, 2006


Anima

Meu amor persiste em permanecer
como a poeira no plissado de uma saia,
a repousar quando o corpo feminino se aquieta,
e se mexer quando as coxas se alternam em seus passos,
e as dobras do tecido semelham a própria medida do tempo.
……..

Eu não sei mais como vim parar aqui,
a alinhavar metáforas e cozer um tecido esgarçado
para que ele possa de novo ser aproveitável como a vida.
Eu só sei que vim parar aqui onde as as arquiteturas são a um tempo ruína e construção,
eu só sei que habito uma ruidosa cidadela cujos muros não mais a protegem;
eu só sei que as pernas das moças continuam caminhando nas ruas, enfiadas em ônibus,
trânsito, becos, ciladas, ladeiras,
e no frear repentino que revela
insuspeitadas intimidades.
Eu só sei que tudo se move, e muito,
e que eu, como a poeira, estou em um tecido que se abre e fecha,
até que alguma mão me espane e eu possa flutuar
no raio de luz que vem da minha janela.
……….

Até lá eu espero, ou não espero:
apenas passo o tempo todo,
e a cada vez passo de novo como um outro e dele me aproximo.
estou aqui e não estou,
estou onde o amor me manda estar e eu,
sem resignação, obedeço.
Não transijo, obedeço.
Eu sei ter medo do amor que se recusa.
Obedeço.
E meu ser se espalha como a umidade no box do banheiro.
Molha, escorre, seca,
torna a molhar, escorrer, secar,
todo dia, todo o tempo,
todas as dobras da saia que é minh’alma.

(josé eduardo mendonça)

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