Monday, September 25, 2006

Estancar a umidade do desejo
com um dique feito de miséria,
afastar o tempo qual pele indesejada,
e trocá-la pela epiderme que apenas sobrevive,
jogar fora as cascas das frutas intocadas
em uma cesta onde as moscas apenas não apodrecem,
evitar o toque que anima o que se quer manter desanimado.
Rezar de joelhos à beira do leito onde mais uma vez a solidão habitará,
tentar trazer de volta os sonhos antes mesmo que o corpo adormeça e a alma sonhe
o que prefere na manhã se dissolver,
dedos a suar dentro de luvas
a evitar tudo que o contato não trará,
tênue gaze a cobrir feridas que não se enxerga
e que talvez nem valham mais a pena de existir.
(E tudo gira em espiral medonha
a conspirar contra a luz dos corações,
medo que transpira das entranhas
do súbito assalto aos sentidos.
Pequeno catamarã nas ondas,
fitando o gigantesco desafio de águas turvas,
meu barco, minha ilusão,
casca inútil contra as rochas das costas de mares infindos.)
Pulsar de coma induzido,
respirar só para estar vivo,
cercado de aparelhos
que a sensatez preferiria desplugar,
ventilar de balões entubados na garganta,
a leve brisa onde antes residia o ar.
Brincar de estar sozinho,
única estrela em céu único contra um pano azul
a refletir a dimensão dúbia do nada.
Insistir no canto
para ouvidos que há muito quedaram surdos,
plantar em sulcos áridos sementes que não vingarão,
apostar em jogo inconsútil
de números marcados por mau hábito,
jazer de barriga para o alto num inclemente sol
de um feriado sem aviso.
Deixar a plenitude se estender em território exígüo,
jardim em que as flores não atrapalhem
o que tortas raízes teimam em preservar.
Arder qual combustão do inferno
sem o calor da desejada insolação,
seco plenilúnio dos sentidos
em céu crestado de horror.
(Pálido exercício de voracidades mortas,
ambígüa moradia de fugazes contornos,
sutis tentativas de se gritar
o que se deve agora dizer em sussurro.)
Órbitas que saltam das esferas,
incredulidades de peixes batendo em paredes de aquários,
sem saber que ali finda a vida.
(j.e.m.)

1 comment:

  1. Zezão
    belíssimas letras que traduzem as profundezas da alma que percorre a solidão do ser em sua calcinante dor na busca do outro, na busca de si, no encontro do amor.

    Acho que agora estás a sós e encontrarás seu outro dentro de si.
    linda viagem. Poete, poeta!

    Bjnhos de sua sempre outra
    M

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