Friday, February 23, 2007

Toda flor

Toda flor é uma flor que se cheire
Ainda que só pelo atavismo.
Nos inclinamos e aspiramos o que dela vem,
ainda que não cheire a nada.
As formas tomam o lugar dos sentidos,
e elas, centradas em sua beleza,
se regozijam em sua ingenuidade.
Pétalas viçosas com medo da queda
que nada mais é que o destino,
temem perder sua seiva,
que não perderão por não perderem a essência,
tanto a do perfume, quanto do que está para lá
de seus visíveis encantos.
Uma flor apenas renasce de si mesma,
do humus, da seiva, do que a faz brotar.
Seria como, depois de atribuir espinhos aos cactos,
tratar de fazer com que nos espetem impiedosamente
quando sua função é de apenas serem espinhos,
e não de causar dor,
ou precisar que pacientemente
os arranquemos de nossas carnes.
Há flores de toda espécie,
bem ao lado de um muro de cemitério,
contrastando suas cores com a rigidez dos ciprestes,
de noite, hieráticos contra o céu,
guardiães últimos do que dura
sem nem mais ter consciência de durar.
Dos ninhos nos ciprestes as andorinhas voam e,
Ao chegar a noite, dormem ao ponto
de jamais sabermos que existiram.
Interessante teia, a noite,
que envolve com sua sombra os desejos.
Ela os enreda e com sua geometria precisa
os transforma em ritmos que batem em corações
que não mais podem dormir tranquilos.
Quanta imprecisão nos hábitos, nos gestos adquiridos,
nos apelos mal guardados e necessitando expressão
sem olhos para a dor à volta.

…………….

Têm umbigos, as flores,
tem pernas, estames, pistilos,
a química da reprodução
que agora nada reproduz a não ser seus clichês.
Temem, as flores, que seu despetalar não venha mais com a manhã,
e sim com um amanhã que não podem jamais ajudar a fabricar.

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