Monday, August 27, 2007
Vou pintar minhas unhas de vermelho
Carole Satyamurti é poeta e socióloga e vive em Londres, onde ensina na Tavistock Clinic sobre a relevância das idéias psicanalíticas para a compreensão das histórias que as pessoas contam sobre elas mesmas.
Vou pintar minhas unhas de vermelho
Carole Satyamurti
Porque um pouco de cor é um serviço público.
Porque tenho orgulho das minhas mãos.
Porque vai me lembrar de que sou uma mulher.
Porque vou parecer uma sobrevivente.
Porque posso admirá-las em congestionamentos de trânsito.
Porque minha filha vai dizer argh.
Porque meu amante ficará surpreso.
Porque é mais rápido que tingir o cabelo.
Porque é uma moratória de dez minutos.
Porque é reversível.
Thursday, August 23, 2007
Monday, August 20, 2007
Com licença
Nem nada noto que
Ao despencar da ponte
E mergulhar de novo em águas tuas
Eu mirava a alvura mesma que sempre quis.
21/8/2007
Ao despencar da ponte
E mergulhar de novo em águas tuas
Eu mirava a alvura mesma que sempre quis.
21/8/2007
Saturday, August 18, 2007
Biografia do músico
o guri nasceu no morro aniquilado de sambas
bebeu leite condensado
soltou papagaio de tarde
aprendeu o nome de todos os donatários de capitania
esgotou os criouléus da Cidade Nova
bocejou anos e anos no Conservatório
não tirou medalha de ouro
coitado
porque não tinha pistolão
mais um astro que desponta no horizonte da arte nacional
botou sapato camuflagem terno de xadrez
casou com a filha do vendeiro da esquina
que parecia com Carlos Gomes
fez diversas músicas imitando o gorjeio dos pássaros
morreu vítima de pertinaz moléstia
que zombou dos recursos da ciência
ao enterro compareceram pessoas de destaque
citando palmas com sentidas dedicatórias
chegando no céu os anjinhos de calça larga e gravata borboleta
deram um concerto de ocarina onde figurava a oitava nota
e ele desmaiou de comoção.
(Murilo Mendes)
A vida real (2)
Cientistas afirmaram que somos apenas
Dez por cento da matéria que realmente somos.
O resto deve ser um poema de Augusto dos Anjos.
18/7/2007
Dez por cento da matéria que realmente somos.
O resto deve ser um poema de Augusto dos Anjos.
18/7/2007
Friday, August 17, 2007
Virei poeta
Virei poeta,
ou melhor, virei poeta,
apenas tão mais provocantemente cutucado pela vida e as palavras.
Não tem sobrado pedra sobre pedra,
mas por que preciso de pedras a não ser como lápides,
peso a se amarrar na cintura em uma visita definitiva ao rio?
Preciso é de balões de festa,
de preferência daqueles que flutuam,
que subam ao céu até explodir na pressão insuportável.
Eu me ando a cada passo,
e a cada passo desando meu andar.
Nem mais perplexo consigo me encontrar perante a vida.
Ela é que deve andar perplexa comigo.
11/5/007
Tuesday, August 14, 2007
A vida real
Os pássaros cagam sobre meu carro cotidianamente.
Mas não é comigo.
Eles apenas habitam a árvore debaixo da qual acho vaga
Para estacionar quando chego em casa.
De resto a vida vai bem.
Num bar um bêbado me oferece barato um relógio
Com uma bússola embutida
Como se o norte estivesse ali na esquina.
Dez reais, e um caminho no mundo e uma cachaça a mais
Para um pobre coitado que julga ter perdido o rumo
por uma mulher.
(Mulheres nunca nos fazem perder o juízo
Se já não estivessem perdidas anteriormente
dentro de nós mesmos.)
Olhemos para elas com os olhos aprendidos a cuidar,
Olhemos os seus ventres como bênçãos
E oremos por tudo que elas com seu amor nos proporcionam.
São Paulo, 14/7/2007
Thursday, August 09, 2007
Minha mulher
Minha mulher nada ao molhe
De atracamentos infinitos.
Barcos deslizam ainda que em sargaços,
O território rude
Dos monstros que a visitam em
Tardes de borrasca,
E esta sua natureza
Espanta este cinema tenso de naufrágios,
Esta crueza que me desabita
Quando com ela estou.
E de deixar que a vida assim seja
Eu vejo a fábrica e os tecidos imensos
Que o amor apenas com suas cores
Há sempre sempre de tingir.
São Paulo, 9/8/2007
De atracamentos infinitos.
Barcos deslizam ainda que em sargaços,
O território rude
Dos monstros que a visitam em
Tardes de borrasca,
E esta sua natureza
Espanta este cinema tenso de naufrágios,
Esta crueza que me desabita
Quando com ela estou.
E de deixar que a vida assim seja
Eu vejo a fábrica e os tecidos imensos
Que o amor apenas com suas cores
Há sempre sempre de tingir.
São Paulo, 9/8/2007
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