Monday, February 27, 2012

A Construção da Intimidade

Eu te dou: minhas bolinhas de gude,
a verde com uma lasca de banda,
a amarela rajada como teu olho (que nao sei se é o esquerdo ou o direito).
Você me dá: tuas caixinhas com
tuas cartas de amor,
teus santos todos,
os pedaços de chocolate que não estiverem debaixo de tua cama,
os retratos de teus cavalos,
os cavaleiros de toda a Távola Redonda,
uma jangada de papel para se chegar a bom termo a Ítaca.
Eu te dou: minhas noites insones, meus espantos,
o bauzinho com o camafeu do rosto que não conheço,
um prendedor de gravata de meu pai
(porque eu também sei ser sisudo),
o menino que olha de dentro da foto com as mãos pequenas postas sobre a mesa,
o globo do mundo e a lousa atrás com os meus saberes todos, os olhos que sobre ti pousam bonitos e alumbrados.
Você me dá: minha ilha onde no momento chove, meu silêncio e minha solidão,
tua canequinha de folha de flandres de tua infância descalça num canto de Pernambuco,
teu canivete para descascar as mangas,
as partículas brilhantes do solo onde pisas com teus dedos finos e espalhados.
Eu te dou: a tramela da porta para que nunca ninguém mais a tranque,
as estrelinhas de botar no teto que eu comprei um dia para até então dormirem sob o tempo nublado,
meu sopro que revela o céu no qual teu hálito habita.
Você me dá: o troquinho do sorvete,
as ninharias pequenas e as grandes,
os estalinhos de São João,
o luzir, as tempestades das quais tu tens tanto medo, os raios de tudo que em ti reverbera.
Eu te dou: todo o mato que em mim cresce sem controle,
meu desajuízo, minha intermitência e minha perenidade,
minhas águas que lavam todos os pelos que contém seu corpo,
meus sonhos que não conto para ninguem,
mas só para você eu conto porque moram em meus olhos que tu aquietas,
eu enfim feliz,
eu finalmente repousado.

Salvador, 19 de fevereiro de 2012

A Sagração da Primavera

Estas sementes deitadas em nossos lençóis,
estes dias em que tudo começou para não mais terminar,
o que brotou, floresceu, morreu, tornou a brotar de novo,
neste doce contínuo de teu ser,
esta trégua que tu impões ao tempo,
o ritmo desta determinada marcha
da seiva com que tu cobres estas nossas vidas de nós inesgotáveis,
os espelhos que tu crias na colheita do orvalho em tuas folhas,
a noite de pirilampos que tu acendes
para que trilhem iluminadas nossas histórias todas,
caules, troncos rodando rio abaixo,
pétalas que olham das margens de soslaio, coradas de seus recatos,
eu te abraço, te beijo, te amo e te fecundo,
as nuvens se desmancham sobre o solo,
e nossa paixão são os frutos verdes, os frutos maduros, os frutos serenos, o que haverá de dar a comer a quem irá plantar
neste eterno polinizar do mundo.

Salvador, 21 de fevereiro de 2012

Todos os dias

Todos os dias
você chega em minha vida e diz:
me ame.
Eu te amo.

4.2.2012

Louise chega em minha vida

Estou aprendendo a dar continente
pra esta tua caótica e serelepe radiância.
Estou aprendendo a toda noite abraçar o som de tua voz.
Estou aprendendo a ver você chegar devagar,
você que chega sempre tão súbita,
loiro tsunami de pernas mais altas do que as ondas.

2.2.2012

Wednesday, February 01, 2012

A mulher beduína

A mulher beduína vaga pelos desertos épicos da Síria.
A mulher beduína trafega pela poeira do meu coração.
Ela é diversa em tudo - seus olhos de heterocromia,
um da cor do damasco, outro verde como os oásis que me proporciona,
criam mundos inúmeros, a mim acostumado a óticas singulares, mas subitamente tomado de surpresa por seus encantos muitos, múltiplos e inenarráveis.
Ela não é uma mulher só, a beduína. Ela traz em si a alegre confusão do souk e a herança dos sabores e cheiros calabreses dos que cruzaram seu caminho em uma mediterrânea troca de sangues, a loira baiana que samba nos blocos, olhando o mundo de sua apreciável altura.
Mulheres beduínas não deixam nunca suas tendas, mas não esta mulher.
Ela se aventura, e em suas peraltices, traquinagens, e seu jogo de bola na rua com seus pés desmesurados provoca fenômenos sísmicos - por onde ela passa a terra treme.
A minha terra treme quando ela passa.
O meu coração nem sabe o que dizer, e ainda bem que não tem de dizer nada.
A mulher beduína é quem enfim eu quero - com seu cheiro, gosto e textura de manga em minha boca, com seu aroma de cânfora, hortelã, manjericão.
A mulher beduína tem propriedade em tudo que fala, e como fala a mulher beduína - fala de mundos reais, paralelos, transversos, e tudo nela é o mesmo mundo.

30.1.2012

Continente

Estou aprendendo a dar continente
pra esta tua caótica e serelepe radiância.
Estou aprendendo a toda noite abraçar o som de tua voz.
Estou aprendendo a ver você chegar devagar,
você que chega sempre tão súbita,
loiro tsunami de pernas mais altas do que as ondas.

2.1.2012