Saturday, March 31, 2007

Solidão













Eu conheço a solidão dos homens verdadeiramente solitários.
Levanto os olhos sobre a revista
e vejo do outro lado do balcão
o homem que mastiga seu sanduíche
com olhos de quem costumeiramente mira o nada.
Não seu interior, mas o nada mesmo,
a insubstância, a perspectiva da volta
para a casa desabitada
onde não há vida durante todo o restar do dia.
Eu não falo com o homem do sanduíche
e o olhar de todos em redor não se cruzam.
Não são mal educadas as pessoas solitárias,
são amargas, e talvez pouco levem além disso com elas,
um saco de papel marrom com restos
que sempre sobrarão putrefatos na geladeira
fazendo companhia ao leite vencido, porém presente
como um atestado de indisfarçável condição.
À exceção de um esgar de inquietação,
são resignados os seres que partilham
suas miseráveis refeições.
Pode bem ser que nem tristes sejam
porque este sentimento quedou abandonado
junto com tantos outros
como manchetes velhas empilhadas
num canto do quarto de empregada.
Há solitários amarrotados, elegantes, dândis, impecáveis,
escanhoados como bebês ou com pelos
que desleixadamente crescem
como se ao rosto nem pertencessem.
Não importa.
Por todo lado há a marca do olvido
em prédios de apartamentos
que empilham precoces asilos.
Estão à margem e já não recordam do outro lado
e de como a ele chegar, se lembrassem.
Pontas de cigarro queimam nas calçadas.
Não estão mortas mas ninguém mais as fuma.
Logo serão varridas pelo vento e tragadas pelos bueiros
rodando num turbilhão sem nexo.

(zé eduardo)

3 comments:

  1. Ao Poeta:
    Certa vez fiz referência para um certo poeta, "do qual não tenho a menor initimidade" sobre o que penso da solidão e do sofrimento e citei a frase de "Pessoa":... de que o poeta finge tão completamente a dor..." e dizia pra ele que vejo o poeta como o próprio sofredor, que externaliza a sua dor e a dos outros. Que suas poesias só são suas em quanto não divulgadas, depois disso - bau, bau - é de todo mundo.

    Quem um dia não olhou nos olhos do ser amado e pronunciou "que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure", como se tivesse tirando aqueles verso da profundeza de suas entranhas.
    A Solidão do poema levou-me a uma reflexão profunda. Até que ponto o Solitário não é um Narscisíco, com uma calda de pavão bem aberta? Que, ainda, não deu conta ou não quer dar conta de exercitar a Compaixão - colocando-se no lugar do outro? A sensação que a poesia me passou é que o mundo esta, cheio de homens (seres) que comem sua mortadela caladamente. E que se julgam mal educados por serem amargos. É o que "fazemos" na maioria do tempo. Amargurados passamos a sensação de sermos a personagem principal do circo da vida, onde tanto outros personagens (personas) sofrem, se alegram, choram, se frustam.

    Poeta quando vejo falta de educação associada a amargura fico com a respiração bem curtinha pois pra mim é como se a gente ainda não tivesse aprendido ou reconhecido que as feridas dos outros também sangram quando cutucadas.
    Penso eu que é por isso que muitos que comem o seu sanduiche de cabeça baixa já mais receberam um sorriso, um bom dia, pois estão fechados na "casca".

    Com respeito.

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  2. Ode

    Não só quando estamos sós, a solidão é

    Tudo o que nos resta.

    Quando somos muitos,

    Num convívio, num meeting, numa festa,

    E nada nos prende, nada se troca nem damos,

    A solidão é, ainda mais,

    Tudo o que nos resta.

    A vida , assim, não presta, não é nada.

    É uma vida parada.

    Existir, sim, mas também viver, ser gente.

    Dar vida a quem não tem um jardim,

    De repente,

    É urgente!

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  3. Ao segundo poeta:
    "... Dar a vida a quem não tem um jardim,de repente,É urgente"
    Lindo!... guardarei no meu coração. Pena que tem pessoas que não aprenderam, ainda, a olhar uma flor, quanto mais um jardim. (a mente está sempre muito ocupada). Penso no entanto que a doação é sempre o ato mais nobre dos humanos... então vale sempre doar. Ouvi certa vez algo que me fez um bem danado: "uns doam o que tem, outros doam o que sabem e outros doam o que são...". Quando chegamos nesse último estágio estamos um tanto preparados para as subidas e descidas da vida.

    Ass:Girassolbsb

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