Ainda que fostes um porto diferente a cada dia
(como tenho certeza que tu és),
Eu deles zarparia contigo sem temor rumo sempre
A tudo que não sei e que te descobre e te desvela,
Panos enfunados pelos ventos da fortuna,
Movimento de teus ciclos, luas adernadas em céu
De uma amplitude em que feliz mergulho
Eu que te sei tão pouco e te intuo tempestade,
Cheiro da água a molhar o chão tão seco,
O que brota de ti, borbotões de suco e sede,
Alvura de tecidos que perguntam
Onde fostes achar os solos que agora pisas,
Onde me achastes, eu que tomava por ser
Inabordável, a avançar na defesa de terras sacras
Dominadas por deuses amargos e furibundos
A clamar: não vás, não fiques, estatuária vã
De empedernidos sentimentos.
Hoje meu coração se abre como as torneiras de fontes sempre abertas,
Hoje eu, barroco, olho arquiteturas voltadas a um céu que desvendastes,
Hoje eu, gótico, como tudo que mira acima em reverência,
Caminho a passos plenos na direção de tudo que iluminas.
29.12.2007
Saturday, December 29, 2007
Nem tudo
Você não é bloco, quadra, céu, esplanada,
Vizinhança, igrejinha, faisão dourado,
Piauí, boteco na Vila Planalto,
Cachaça em tudo que é canto bom,
Legumes em Vargem Bonita,
Boteco da Dani, tempestades com ela vividas
Na nudez mágica dos clarões no horizonte.
Você não é o palmilhar tateante da clínica
Onde no sudoeste a cura tenta encontrar o paciente.
E nem tampouco tudo que é gelado e pedregoso
Numa chapada em que achei muito mais que água e rochas.
Você não é um território. Ou uma conquista.
Ou as flechas que quedam amortecidas nos escudos
Sem jamais terem tido alvo claro
por conta de sua exigüidade como arma.
Você não é o abandono do córrego do Palha,
Seus morros de tantos ventos uivantes.
Você não é nem maracatu nem frevo nem samba
Nem todas as manifestações pastoris verde-amarelas.
Nem pára-choque de caminhão a dizer
Eu sou tão teu.
Você tem os pelos lisos dos mais íntimos dragões
A expelir fogo apenas por costume.
E eu aqui com esta cara de paisagem
Miro você, quadro, moldura, cena, pele,
De tudo que quero e ambiciono e desejo e amo.
28.12.2007
Vizinhança, igrejinha, faisão dourado,
Piauí, boteco na Vila Planalto,
Cachaça em tudo que é canto bom,
Legumes em Vargem Bonita,
Boteco da Dani, tempestades com ela vividas
Na nudez mágica dos clarões no horizonte.
Você não é o palmilhar tateante da clínica
Onde no sudoeste a cura tenta encontrar o paciente.
E nem tampouco tudo que é gelado e pedregoso
Numa chapada em que achei muito mais que água e rochas.
Você não é um território. Ou uma conquista.
Ou as flechas que quedam amortecidas nos escudos
Sem jamais terem tido alvo claro
por conta de sua exigüidade como arma.
Você não é o abandono do córrego do Palha,
Seus morros de tantos ventos uivantes.
Você não é nem maracatu nem frevo nem samba
Nem todas as manifestações pastoris verde-amarelas.
Nem pára-choque de caminhão a dizer
Eu sou tão teu.
Você tem os pelos lisos dos mais íntimos dragões
A expelir fogo apenas por costume.
E eu aqui com esta cara de paisagem
Miro você, quadro, moldura, cena, pele,
De tudo que quero e ambiciono e desejo e amo.
28.12.2007
Monday, December 24, 2007
Mal das pernas
São estas tuas andarilhas pernas,
Ainda que rotas,
A te levarem até mim.
São estes teus desejos bandoleiros,
Esta tua sensibilidade para a margem,
Teus desenhos de improváveis equilíbrios,
Teu abraçar as formas inconsúteis,
Teu sobrenatural dom de atravessar paredes
O que remete a este doce estado amoroso,
O espernear de tuas rebeldias
O bater de douradas sapatilhas
Em chão de minérios insuspeitos
De tuas geraes amplas, das colinas temperadas
Pelo marchar dos ancestrais
Aos quais tú tão singular prestas tributo.
São teus distantes e silentes soluçares
Nas despovoadas madrugadas de tuas dores
Que eu reluto, e luto, sempre, em habitar.
São estes teus jardins,
Oceanos vistos das serras,
É esta sede de teus córregos perenes,
É este imaginar que tuas águas nunca irão secar,
São estes divinos gestos:
O me sentar à tua mesa,
O me espargir no horizonte de teu verde,
Me encantar em tudo que em ti é acolhimento e seio.
(Não sou de escrever longos poemas,
Acho que nem sei como fazer.
Mas em tua falta é assim que te falo:
Bicicletas de aros tortos,
Formigar de coisas que fingem dormir.
Eu desde que te conheço já dei a volta ao mundo
Em tua desprocura, e tu fostes tudo que encontrei.)
Ainda que rotas,
A te levarem até mim.
São estes teus desejos bandoleiros,
Esta tua sensibilidade para a margem,
Teus desenhos de improváveis equilíbrios,
Teu abraçar as formas inconsúteis,
Teu sobrenatural dom de atravessar paredes
O que remete a este doce estado amoroso,
O espernear de tuas rebeldias
O bater de douradas sapatilhas
Em chão de minérios insuspeitos
De tuas geraes amplas, das colinas temperadas
Pelo marchar dos ancestrais
Aos quais tú tão singular prestas tributo.
São teus distantes e silentes soluçares
Nas despovoadas madrugadas de tuas dores
Que eu reluto, e luto, sempre, em habitar.
São estes teus jardins,
Oceanos vistos das serras,
É esta sede de teus córregos perenes,
É este imaginar que tuas águas nunca irão secar,
São estes divinos gestos:
O me sentar à tua mesa,
O me espargir no horizonte de teu verde,
Me encantar em tudo que em ti é acolhimento e seio.
(Não sou de escrever longos poemas,
Acho que nem sei como fazer.
Mas em tua falta é assim que te falo:
Bicicletas de aros tortos,
Formigar de coisas que fingem dormir.
Eu desde que te conheço já dei a volta ao mundo
Em tua desprocura, e tu fostes tudo que encontrei.)
Sunday, December 23, 2007
Esta coisa tão tamanha
Venta, sopra, semeia,
Tremeluz, ilumina, incandesce,
Varre, desentranha, arrasta os horizontes
Deste redesenhar de mim.
Traz todos os detritos
E os gemidos e os gritos que um dia a terra há de comer.
Vem, me entrega tuas pernas inexatas,
Fala a rumorejar no eco
de tudo que é montanha.
Água viva que me queima de esplendor,
Onda a encrespar os rumos dos barcos todos,
Me chama a teu ancoradouro
Ainda, e bem, que ele se chame movimento,
E afaste e desalinhe qualquer permanência.
Eu quero você fluida, corrediça, pasmada, juntada junta
De desconexões tamanhas,
O que trafega na lentidão de cílios que se juntam
E abrem profusão, desencaminho, o que não se esperava nunca
E hoje, nesta madrugada, é tudo que eu sinto,
A imensidão de espaço pouco e vário,
Bastante para amar a vida toda.
22.12.2007
Friday, December 21, 2007
Faltava tanto pra dizer
Não é um verde da água,
nem de torneira, de mar, de rio,igarapés,
corredeiras, cachoeiras que despencam sobre mim
como teus cabelos,
nem das florestas densas que te cercam
contra tua teimosia de elas existirem.
É este verde que não defino,
que ninguém nunca poderia definir,
maravilhamento que escapa do que dele brilha e reluz.
É o verde de ti que culmina nos teus olhos,
o verde que queria deitado sobre mim sempre,
cor a se distribuir em luz de alvorada, anoitecer, tempo.
Zé Eduardo, 21.12.2007
nem de torneira, de mar, de rio,igarapés,
corredeiras, cachoeiras que despencam sobre mim
como teus cabelos,
nem das florestas densas que te cercam
contra tua teimosia de elas existirem.
É este verde que não defino,
que ninguém nunca poderia definir,
maravilhamento que escapa do que dele brilha e reluz.
É o verde de ti que culmina nos teus olhos,
o verde que queria deitado sobre mim sempre,
cor a se distribuir em luz de alvorada, anoitecer, tempo.
Zé Eduardo, 21.12.2007
Wednesday, December 19, 2007
A Morte Definitiva
Querer matar algo que não morreu
nem nunca esteve em sua hora fatal
é como acreditar no poder letal
das zarabatanas dos pigmeus de Bandar,
páginas tiradas de gibis da infância,
traços em preto e branco com a granulação
do sonho, do perdido e do desejo na solidão
de camas desarrumadas.
Querer cravar estacas a delimitar novos territórios
equivale a salgar as terras mesmas
para que nelas nada mais nasça,
ou vingue, ou cresça.
Querer empurrar para fora da vida
o que habita profundo dentro
é expulsar da alma o que nos dá pousada.
São Paulo, 19 de dezembro de 2007
nem nunca esteve em sua hora fatal
é como acreditar no poder letal
das zarabatanas dos pigmeus de Bandar,
páginas tiradas de gibis da infância,
traços em preto e branco com a granulação
do sonho, do perdido e do desejo na solidão
de camas desarrumadas.
Querer cravar estacas a delimitar novos territórios
equivale a salgar as terras mesmas
para que nelas nada mais nasça,
ou vingue, ou cresça.
Querer empurrar para fora da vida
o que habita profundo dentro
é expulsar da alma o que nos dá pousada.
São Paulo, 19 de dezembro de 2007
Thursday, November 29, 2007
Para Raquel
Os tons de tua pele, as matizes muitas de teus cabelos ruços
e de teus sempre poucos adereços
Fazem um arco-íris que termina sempre em um pote de ouro.
Não o das compras, trocas, transações, mas o dos alquimistas,
O estado último das coisas, a eterna transformação, sol que nunca mais será o mesmo
Ainda que assim pareça todo dia num azul profundo de uma cidade
no topo de algum mundo
E aqueça muito além da epiderme.
O ouro negro da tua fonte
Onde tudo há de se beber.
(Os ouros outros das tuas magias
Das quais o mundo se aproveita
Para nascer o alimento de toda manhã.)
Radiância da tua voz ressoando ao telefone,
Tudo em você tem cor.
Pálida musa, versos do cantar eterno,
Tu vens sempre nesta encontrar de plenitudes,
Estrela que me faz cantar.
Todo tempo tu te reinauguras e me reinaugura,
E prever-te nunca há como.
E é assim, amor meu de toda uma vida,
Que registras o teu brilho
E esmaeces em abandono
Até que nos resgatemos e tudo mais uma vez
Vire poema.
29.11.2007
e de teus sempre poucos adereços
Fazem um arco-íris que termina sempre em um pote de ouro.
Não o das compras, trocas, transações, mas o dos alquimistas,
O estado último das coisas, a eterna transformação, sol que nunca mais será o mesmo
Ainda que assim pareça todo dia num azul profundo de uma cidade
no topo de algum mundo
E aqueça muito além da epiderme.
O ouro negro da tua fonte
Onde tudo há de se beber.
(Os ouros outros das tuas magias
Das quais o mundo se aproveita
Para nascer o alimento de toda manhã.)
Radiância da tua voz ressoando ao telefone,
Tudo em você tem cor.
Pálida musa, versos do cantar eterno,
Tu vens sempre nesta encontrar de plenitudes,
Estrela que me faz cantar.
Todo tempo tu te reinauguras e me reinaugura,
E prever-te nunca há como.
E é assim, amor meu de toda uma vida,
Que registras o teu brilho
E esmaeces em abandono
Até que nos resgatemos e tudo mais uma vez
Vire poema.
29.11.2007
Monday, November 05, 2007
A Sagração da Primavera
"Time present and time past
Are both perhaps in time future,
And time future contained in the past"
(T.S. Eliot, Burnt Norton, The Four Quartets)
Noite no hospital.
Mariposas teimam em se fragmentar contra as vidraças.
O ar úmido de uma terra sempre seca, presságio que não vi.
Assim como não vi quem foi que engasgou com o dia, ou com o tempo.
Primeiro de janeiro, e há no ar os anos que não irão jamais passar,
um cheiro que não te pertence e me pertence e me foge.
No guichê me pedem que aguarde, e para isto os guichês foram feitos:
para tirar a senha, adivinhar a hora do atendimento que virá.
Tudo é hora, mesmo o que se pensa fora dela.
O doutor de branco diz que não é nada.
Que observemos. Como se ainda houvesse algo para juntos observarmos.
Não há. Houve. Ou não houve, e volto para casa por um caminho comum
apenas pelo íngreme de um morro, terra, a visão negra do lago abaixo?
E olho o negro do lago abaixo, que logo cederia sua cor ao sentimento.
Olho tudo que foi, até que escolho não olhar mais nada.
Zé Eduardo, 4/11/2007
Are both perhaps in time future,
And time future contained in the past"
(T.S. Eliot, Burnt Norton, The Four Quartets)
Noite no hospital.
Mariposas teimam em se fragmentar contra as vidraças.
O ar úmido de uma terra sempre seca, presságio que não vi.
Assim como não vi quem foi que engasgou com o dia, ou com o tempo.
Primeiro de janeiro, e há no ar os anos que não irão jamais passar,
um cheiro que não te pertence e me pertence e me foge.
No guichê me pedem que aguarde, e para isto os guichês foram feitos:
para tirar a senha, adivinhar a hora do atendimento que virá.
Tudo é hora, mesmo o que se pensa fora dela.
O doutor de branco diz que não é nada.
Que observemos. Como se ainda houvesse algo para juntos observarmos.
Não há. Houve. Ou não houve, e volto para casa por um caminho comum
apenas pelo íngreme de um morro, terra, a visão negra do lago abaixo?
E olho o negro do lago abaixo, que logo cederia sua cor ao sentimento.
Olho tudo que foi, até que escolho não olhar mais nada.
Zé Eduardo, 4/11/2007
Tuesday, October 09, 2007
A pele fria dos peixes cegos
A pele fria dos peixes cegos
Das águas profundas.
As escamas de tua pele,
Erupções de um solo ansioso,
Teu pé que coça fingindo de coração.
Cada bater de teus cílios o código
Que um dia vislumbrei desvelar
E não devia.
Tua nudez inescapável
Em cada tua fala e movimento,
O timbre único, tua voz ao telefone,
E no fundo no fundo, ao fundo do que falas,
Há sempre esta festa dos balões e de quem sabe
Nao precisar dormir o sono
apenas necessário.
.....
Te cheirar parece mixirica.
Te beijar parece rede vermelha no terraço,
Te amar nem parece: é todas as consonâncias
E as vogais que emaranhas neste teu tão raro gozo.
Saturday, September 22, 2007
Comunhão
Comunhão
Eu quero beber o orvalho das pétalas da sua flor.
Eu quero ver sua flor se abrir na comunhão mágica do amor.
Eu quero sentir a chuva que despenca da sua alma,
entrar em seu pequeno sol, redondo feito hóstia,
onde você me faz caber e me aperta e me acarinha
e me traz pra tão mais perto do que eu sou.
Eu quero navegar nas suas ondas,
rasgar suas águas com meu casco,
mar que me responde e me respinga,
eu que molhado me entrego totalmente a suas marés.
Eu quero suas marés, de lua nova e plenilúnio,
seu movimento que fustiga os corais
e traz à superfície as estrelas e as anêmonas,
eu quero me embrulhar em suas algas
e com elas me cobrir, na verde dança da fertilidade.
Eu quero sua fertilidade, sua dimensão toda de fêmea,
eu quero acolher os estilhaços das explosões
da sua intensidade.
Eu quero que eles me marquem o corpo,
me fustiguem de luz e aturdimento.
E que você se deixe em mim.
Os meus sentimentos
Meus sentimentos não são suspeitos
(e nem assim os sinto).
Meus sentimentos não gostam de viver sob constante escrutínio,
amebas na lente de um microscópio
que quer esquadrinhar minha alma e,
sem saber o que exatamente procura,
se impressiona com o que dela dizem.
Meus sentimentos não são perigosos
(se o fossem eu não estaria vivo),
nem estou a promover uma fogueira
de tudo que de nobre existe em mim.
Eu não vim salvar o mundo do alto de minha branca montaria,
mas eu também não vim para vagar a esmo,
onde alguém um dia pôde pensar em me encontrar.
(Eu não tenho missão alguma
a não ser tentar viver honestamente
o que me foi dado como chance,
e nem eu tenho outra chance além dessa, presente,
como diz presente o aluno na cadeira de eterno estudante.)
Eu sei que tantas coisas eu não sei.
Eu sei que minha arte não vai pagar minhas contas,
mas sempre pagará o preço de estar vivo, e atento, e inteiro.
Eu sou aquele cujo coração não sabe morar em outro peito,
que distraidamente dorme ao relento
e cuja carteira pensaram em bater,
sem nem saber que nela moram apenas notas, papéis,
cartões que não me identificam, talvez fotos,
sempre instantâneos de um passado que é isso – já passou.
Também não sou parte do mundo de excluídos
porque posso ver a vida em brinquedo,
porque posso mijar ao vento,
alcançar a substância do que é feito o nada,
porque posso e quero e devo
conviver com o incomum ruído
de todas as águas de onde brotam todas as sonoras fontes.
(zé eduardo)
Thursday, September 13, 2007
Na poeira de sua rua
Não tenho lar, perdido
No prazer do maravilhamento
Quando por fim eu deverei habitar
Para sempre na poeira
De sua rua.
Fuzuli (poeta turco, 1498-1556)
No prazer do maravilhamento
Quando por fim eu deverei habitar
Para sempre na poeira
De sua rua.
Fuzuli (poeta turco, 1498-1556)
Sunday, September 09, 2007
13 KM
Treze quilômetros separam teu corpo do meu
e após cento e quarenta e duas esquinas,
poeiras, faróis vermelhos, milhares de transeuntes
e carros depois,
treze quilômetros é daqui às estrelas
se ruas houvesse a nos levar acima.
E as há, e estão em cada teu arfar,
fios das lamparinas coloridas
unindo minaretes de mesquitas
desenhadas em teu colo oriental.
Treze quilômetros é tanto território,
teu corpo trilhado a aprender descaminhos,
passadas a impactar um chão inelutável,
distância a te rebocar ao sentimento mesmo
de onde partistes e onde teu pulsar repousa.
zé eduardo
9/9/2007
e após cento e quarenta e duas esquinas,
poeiras, faróis vermelhos, milhares de transeuntes
e carros depois,
treze quilômetros é daqui às estrelas
se ruas houvesse a nos levar acima.
E as há, e estão em cada teu arfar,
fios das lamparinas coloridas
unindo minaretes de mesquitas
desenhadas em teu colo oriental.
Treze quilômetros é tanto território,
teu corpo trilhado a aprender descaminhos,
passadas a impactar um chão inelutável,
distância a te rebocar ao sentimento mesmo
de onde partistes e onde teu pulsar repousa.
zé eduardo
9/9/2007
Friday, September 07, 2007
Minha namorada
Minha namorada é bonita
Como bichos que surpreendem
Nas beiras das estradas.
Minha namorada
É que nem um destes bichos
Quando dorme,
Numa serenidade surpresa.
Minha namorada tem virtudes
Que ecoam a agitação dos bazares
Onde tudo sempre foi, e continua sendo,
Escrupulosamente exposto.
Ela vem de uma terra chamada oriente
E dos livros e dos jejuns da lua minguante.
Ela vem do céu e dos brocados e passamanarias,
Palavra aliás que nem sei o que bem quer dizer
Mas que é assim como ela me roça a pele,
Sussurrando tão baixo um nada em seu sonho.
Minha namorada mora comigo.
Zé Eduardo
7/9/2007
Como bichos que surpreendem
Nas beiras das estradas.
Minha namorada
É que nem um destes bichos
Quando dorme,
Numa serenidade surpresa.
Minha namorada tem virtudes
Que ecoam a agitação dos bazares
Onde tudo sempre foi, e continua sendo,
Escrupulosamente exposto.
Ela vem de uma terra chamada oriente
E dos livros e dos jejuns da lua minguante.
Ela vem do céu e dos brocados e passamanarias,
Palavra aliás que nem sei o que bem quer dizer
Mas que é assim como ela me roça a pele,
Sussurrando tão baixo um nada em seu sonho.
Minha namorada mora comigo.
Zé Eduardo
7/9/2007
Tuesday, September 04, 2007
Dos Três Mal Amados
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
(João Cabral de Melo Neto)
Saturday, September 01, 2007
Un vestido y un amor
Te vi
Juntabas margaridas del mantel
Ya sé que te traté bastante mal
No sé si eras un angel o un rubi
O simplemente te vi
Te vi
Saliste entre la gente a saludar
Los astros se rieron otra vez
La llave de Mandala se quebró
O simplemente te vi
Todo lo que diga está de más
Las luces siempre enciendem en el alma
Y cuando me pierdo em la ciudad
Vos ya sabés comprender
Es solo um rato no más
Tendria de llorar o salir a matar
Te vi, te vi, te vi
Yo no buscava a nadie e te vi
Te vi
Fumaba unos chinos en Madrid
Hay cosas que te ayudan a vivir
No hacías otra cosa que escribir
Y yo simplemente te vi
Me fui
Me voy de vez en cuando a algún lugar
Ya sé, no te hace gracia este país
Tenías un vestido y un amor
Yo simplemente te vi
(Fito Paez)
Monday, August 27, 2007
Vou pintar minhas unhas de vermelho
Carole Satyamurti é poeta e socióloga e vive em Londres, onde ensina na Tavistock Clinic sobre a relevância das idéias psicanalíticas para a compreensão das histórias que as pessoas contam sobre elas mesmas.
Vou pintar minhas unhas de vermelho
Carole Satyamurti
Porque um pouco de cor é um serviço público.
Porque tenho orgulho das minhas mãos.
Porque vai me lembrar de que sou uma mulher.
Porque vou parecer uma sobrevivente.
Porque posso admirá-las em congestionamentos de trânsito.
Porque minha filha vai dizer argh.
Porque meu amante ficará surpreso.
Porque é mais rápido que tingir o cabelo.
Porque é uma moratória de dez minutos.
Porque é reversível.
Thursday, August 23, 2007
Monday, August 20, 2007
Com licença
Nem nada noto que
Ao despencar da ponte
E mergulhar de novo em águas tuas
Eu mirava a alvura mesma que sempre quis.
21/8/2007
Ao despencar da ponte
E mergulhar de novo em águas tuas
Eu mirava a alvura mesma que sempre quis.
21/8/2007
Saturday, August 18, 2007
Biografia do músico
o guri nasceu no morro aniquilado de sambas
bebeu leite condensado
soltou papagaio de tarde
aprendeu o nome de todos os donatários de capitania
esgotou os criouléus da Cidade Nova
bocejou anos e anos no Conservatório
não tirou medalha de ouro
coitado
porque não tinha pistolão
mais um astro que desponta no horizonte da arte nacional
botou sapato camuflagem terno de xadrez
casou com a filha do vendeiro da esquina
que parecia com Carlos Gomes
fez diversas músicas imitando o gorjeio dos pássaros
morreu vítima de pertinaz moléstia
que zombou dos recursos da ciência
ao enterro compareceram pessoas de destaque
citando palmas com sentidas dedicatórias
chegando no céu os anjinhos de calça larga e gravata borboleta
deram um concerto de ocarina onde figurava a oitava nota
e ele desmaiou de comoção.
(Murilo Mendes)
A vida real (2)
Cientistas afirmaram que somos apenas
Dez por cento da matéria que realmente somos.
O resto deve ser um poema de Augusto dos Anjos.
18/7/2007
Dez por cento da matéria que realmente somos.
O resto deve ser um poema de Augusto dos Anjos.
18/7/2007
Friday, August 17, 2007
Virei poeta
Virei poeta,
ou melhor, virei poeta,
apenas tão mais provocantemente cutucado pela vida e as palavras.
Não tem sobrado pedra sobre pedra,
mas por que preciso de pedras a não ser como lápides,
peso a se amarrar na cintura em uma visita definitiva ao rio?
Preciso é de balões de festa,
de preferência daqueles que flutuam,
que subam ao céu até explodir na pressão insuportável.
Eu me ando a cada passo,
e a cada passo desando meu andar.
Nem mais perplexo consigo me encontrar perante a vida.
Ela é que deve andar perplexa comigo.
11/5/007
Tuesday, August 14, 2007
A vida real
Os pássaros cagam sobre meu carro cotidianamente.
Mas não é comigo.
Eles apenas habitam a árvore debaixo da qual acho vaga
Para estacionar quando chego em casa.
De resto a vida vai bem.
Num bar um bêbado me oferece barato um relógio
Com uma bússola embutida
Como se o norte estivesse ali na esquina.
Dez reais, e um caminho no mundo e uma cachaça a mais
Para um pobre coitado que julga ter perdido o rumo
por uma mulher.
(Mulheres nunca nos fazem perder o juízo
Se já não estivessem perdidas anteriormente
dentro de nós mesmos.)
Olhemos para elas com os olhos aprendidos a cuidar,
Olhemos os seus ventres como bênçãos
E oremos por tudo que elas com seu amor nos proporcionam.
São Paulo, 14/7/2007
Thursday, August 09, 2007
Minha mulher
Minha mulher nada ao molhe
De atracamentos infinitos.
Barcos deslizam ainda que em sargaços,
O território rude
Dos monstros que a visitam em
Tardes de borrasca,
E esta sua natureza
Espanta este cinema tenso de naufrágios,
Esta crueza que me desabita
Quando com ela estou.
E de deixar que a vida assim seja
Eu vejo a fábrica e os tecidos imensos
Que o amor apenas com suas cores
Há sempre sempre de tingir.
São Paulo, 9/8/2007
De atracamentos infinitos.
Barcos deslizam ainda que em sargaços,
O território rude
Dos monstros que a visitam em
Tardes de borrasca,
E esta sua natureza
Espanta este cinema tenso de naufrágios,
Esta crueza que me desabita
Quando com ela estou.
E de deixar que a vida assim seja
Eu vejo a fábrica e os tecidos imensos
Que o amor apenas com suas cores
Há sempre sempre de tingir.
São Paulo, 9/8/2007
Monday, July 30, 2007
Teu sal
Tuesday, July 17, 2007
O primeiro poema para Y
Fímbrias, limiares, interstícios.
Poesia que se desnuda pra te receber.
E são tão outras tuas palavras
Como és assim dest’outro mundo,
Universo que abarcas na cortina de
teus cílios que orientalmente abres,
inédita, pequena, inusitada
benvinda mulher,
a entrar em minha vida sem convite,
sem nem mesmo o gesto de bater à porta,
assim correndo atrás de um lento tempo
a se traduzir na voracidade com que te desejo,
no ritmo em que pareces apreender-me
enovelado em ti a tecer
esta disparatada coisa que é a vida.
Zé Eduardo, 17/7/2007
Saturday, July 14, 2007
Eu te amo (3)
E teu corpo rangia
como nau que adernava
a circundar o trópico.
E teu corpo cedia
ao imoderado vento
a soprar tua pele como
teu duros cabelos me tocavam
a raspar de mim tanto verniz de tempo.
Quantos de mim não foram
tragados felizes em tua voragem
e todos estes eus eram sempre sempre apenas um,
diversos tantos quanto diversas fostes
até o extremo dos desejos vários.
Quantos de nós estremecemos
nos ritos de corpos e rangemos
e molhamos tudo que os olhos vertem
e sempre, e ainda, sentem.
Zé Eduardo
10/07/2007
Friday, July 06, 2007
Quem faz estas mudanças?
Saturday, June 30, 2007
Eu te amo (2)
Só ouço a percussão do surdo
E teus pés pequenos na arena,
Concreto a se mover sob teu corpo,
Ritmo safado de melodiosas ancas.
Me entranho em teu mover o mundo
Do espaço em que nos cercam as janelas,
Redemoinhos que tragam meu corpo
Solto no urdir de teu desejo,
Teu corpo solto no urdir do meu.
Meus sentidos todos se revestem
Desta fragrância única de mel,
O cheiro ineludível de teu sexo.
Zé Eduardo
30/6/2007
Thursday, June 28, 2007
Poema
Tente lapidar um mínimo pedaço de pedra
do asfalto que se desprende da rua.
Tente jogar bola no topo do edifício
sem deixar que ela despenque seca
na avenida abaixo.
Melhor, tente investigar do que são feitos
os passos que trafegam avenidas.
Continue tentando.
A vida nem sempre trata
de fazer sentido.
Zé Eduardo, 28/6/2007
do asfalto que se desprende da rua.
Tente jogar bola no topo do edifício
sem deixar que ela despenque seca
na avenida abaixo.
Melhor, tente investigar do que são feitos
os passos que trafegam avenidas.
Continue tentando.
A vida nem sempre trata
de fazer sentido.
Zé Eduardo, 28/6/2007
O Estado das Coisas
Eu ando mais cascudo e duro
como certos calcanhares, ainda
que de pés sempre bonitos.
Debaixo de tantas
camadas de pele
está minha pele verdadeira
que esta surrada epiderme
esconde dos olhos do mundo
(mas não dos meus).
Nunca estive tanto como agora
transiente, este estado de
fluxo de permanente
mênstruo, coisa de sangue feita.
(E de sangue quente e espesso,
como se jorrasse de pescoços
de dragões).
Nada há em mim para o noticiário.
O traje que ora envergo
me torna quase invisível
e o que se vê de mim
são meus olhos confundidos
com panos.
(Eu apreendi de você
essas manias de ser humano.)
A lua me toca qual uma
hóstia que minha garganta
crestada não engole.
Eu apenas ando engolindo
tudo que não está mais no céu
(eu inclusive).
E tudo que não está no céu
tem de estar forçosamente sobre
esta terra em que somos paridos
uma vez que o inferno
positivamente não existe.
A jornada se sabe onde começa
e mesmo quanto termina.
Tudo começa e termina na
morte, antepassados me acenam
em sonhos sonhados e decifráveis,
minha mãe que vem tocar
meu coração a garantir que
sim, bate e funciona,
aparelho renascido
nesta fábrica de tempo.
(Não há mal que não termine,
e bem que nunca acabe,
e isso é quase tudo sobre estarmos
a pisar o mundo,
buracos de precárias
estradas de terra onde
as valetas distraem a nós
que nos pensamos condutores).
E também nada é vão,
nem triste ou perdido, mas
apenas.
Zé Eduardo, 28/6/2007
Friday, June 22, 2007
O sofá da sala eterna
A moça sai do bar
E discretamente chora.
E o sal da água percorre sua face
E deságua num guardanapo improvisado como lenço,
Lenço que ninguém mais usa muito embora
Pessoas teimem em chorar perdas,
O que poderia ter sido e não foi,
Conversas de alma e travesseiros dos quais a vida resolveu
não fazer parte.
E a vida não pode nunca ficar perto de tudo,
Fora uma incerta periodicidade
das nossas eleições de afetos,
muito mais que o pedaço de papel
jogado em uma urna.
E amamos pessoas, e não seus projetos de vida,
Ainda que a carne se confunda à causa
(Esperto muito mais é o coração).
........
E teu sexo pra sempre desnudo
no sofá da extrema e eterna sala.
SP 22/6/2007
Wednesday, June 20, 2007
Nunca
Impossível, não. Altamente improvável,
essa mania de matemáticos de ver o mundo.
Impossível, sim. Quero dizer, nunca.
Como lutar com o poema que não vem.
Não é dia, não é hoje, tudo foge de valer a pena
e nada se escreve, palavras vazam deste lugar nenhum,
purgatório onde os sentimentos se condenam a esperar,
inferno abaixo, nuvens toldam acima o paraíso,
nada ferve, nada enregela
nesta tepidez do coração na entropia.
Nem há ondas nesta placidez de lago que treme apenas quando a pedra racha a superfície,
espelho d'água a rebater céus excessivos,
máquinas mortas em obras paradas,
tijolos inúteis em paredes mudas,
parcelas vencidas no carnê atirado ao lixo,
marfim dos elefantes abatidos
nas teclas dos pianos fechados
cobertos por tecidos desbotados
onde o pó se assenta neste não mais varrer,
manchas que se espalham qual lesmas nos muros
que viram um dia um florescer de cores
fossem ainda palmas e cravos de defunto,
mesmo assim flores, desgarradas e crepusculares,
muros cinzas como os viúvos da vida,
seguros vencidos à espreita do sinistro.
...
Um punhal corta impune o tecido da noite.
(zé eduardo)
Saturday, June 16, 2007
I Wanna Go Home
I’never seen you at the beach.
I’ve never seen your hair dripping salt water.
Outside of that, there is so much I miss about you,
Things that far outnumber what I could in a poem recall.
Nights at the terrace sharing stars.
You dressing gloves and wool socks
and still feeling cold under blankets
and nothing I could do to warm you.
We getting home drunk from some crazy night
And making love like there was nothing else
We would ever like to do. And we didn’t .
The blinking of your big eyes when
You’d suddenly wake up looking at me
Like I was first thing in your morning
(And morning could be night and
time would stretch itself as we did
with our bodies.)
The way you did walk, weightless,
From bed to bathroom,
Your slender figure cruising barefoot the tiles
While I would look at you always amazed,
Always,like I would today, ever for the first time.
So much more I would like to tell
But I’m just getting home
Though I don’t know quite where home is.
Home could be where you are.
Home could be you.
But it isn’t.
(zé eduardo)
I’ve never seen your hair dripping salt water.
Outside of that, there is so much I miss about you,
Things that far outnumber what I could in a poem recall.
Nights at the terrace sharing stars.
You dressing gloves and wool socks
and still feeling cold under blankets
and nothing I could do to warm you.
We getting home drunk from some crazy night
And making love like there was nothing else
We would ever like to do. And we didn’t .
The blinking of your big eyes when
You’d suddenly wake up looking at me
Like I was first thing in your morning
(And morning could be night and
time would stretch itself as we did
with our bodies.)
The way you did walk, weightless,
From bed to bathroom,
Your slender figure cruising barefoot the tiles
While I would look at you always amazed,
Always,like I would today, ever for the first time.
So much more I would like to tell
But I’m just getting home
Though I don’t know quite where home is.
Home could be where you are.
Home could be you.
But it isn’t.
(zé eduardo)
Monday, June 11, 2007
Eu te amo
Eu te amo com a contrição de quem ora
em uma catedral revestida de silêncio
cujos vitrais jogam sobre mim a luz
que permanece quando parto.
Eu te amo com a propriedade dos que sabem
que nada podem possuir.
Eu te amo como quem te entende e não te entende.
Eu amo o território que me trazes,
bela e aturdida manhã, mesa sem pães mas com o alimento
de nossa fala amorosa.
(Tua pele é a pedra onde as armas se afiam,
testam o corte nas entranhas nossas.)
Eu te amo como quem sai à luz
vindo do fundo de uma caverna.
Eu me cego do brilho com olhos desprotegidos -
de que outra maneira te olhar assim tão de repente?
Eu fecho os olhos forte como menino depois do pesadelo,
e ainda tua imagem permanece umedecendo minhas retinas.
Eu te amo antes e depois de tudo isso,
com os ecos dos cânticos que chegam a mim em
forma de urbana algaravia.
Você é paredes, grafitti, todas as intervenções de todos os artistas,
você é a mulher que vai pintando seu caminho como cães mijam nos postes.
É você quem espalha seu cheiro, mas espalha pra si mesma
como uma capa brocada tecida em seu mais extremo distrair.
É em você que coisas se fazem por si mesmas,
mas não sem ter antes experimentado seus aromas como guias.
Você é a mulher do presente.
Eu te amo assim, eu amo teu fluxo incontível.
Eu te amo assim, peremptoriamente.
(zé eduardo)
em uma catedral revestida de silêncio
cujos vitrais jogam sobre mim a luz
que permanece quando parto.
Eu te amo com a propriedade dos que sabem
que nada podem possuir.
Eu te amo como quem te entende e não te entende.
Eu amo o território que me trazes,
bela e aturdida manhã, mesa sem pães mas com o alimento
de nossa fala amorosa.
(Tua pele é a pedra onde as armas se afiam,
testam o corte nas entranhas nossas.)
Eu te amo como quem sai à luz
vindo do fundo de uma caverna.
Eu me cego do brilho com olhos desprotegidos -
de que outra maneira te olhar assim tão de repente?
Eu fecho os olhos forte como menino depois do pesadelo,
e ainda tua imagem permanece umedecendo minhas retinas.
Eu te amo antes e depois de tudo isso,
com os ecos dos cânticos que chegam a mim em
forma de urbana algaravia.
Você é paredes, grafitti, todas as intervenções de todos os artistas,
você é a mulher que vai pintando seu caminho como cães mijam nos postes.
É você quem espalha seu cheiro, mas espalha pra si mesma
como uma capa brocada tecida em seu mais extremo distrair.
É em você que coisas se fazem por si mesmas,
mas não sem ter antes experimentado seus aromas como guias.
Você é a mulher do presente.
Eu te amo assim, eu amo teu fluxo incontível.
Eu te amo assim, peremptoriamente.
(zé eduardo)
Questões, de noite
Posso acreditar.
Ou devo.
Ladrilho trincado
aranha imóvel na parede
traço espalhado sabendo a confusão.
Aridez de sal
desértica amplitude
tosse seca cacto flor.
Fechado frio em cobertores o poeta escreve
ansioso e horizontal.
Noite maquinaria aberta
desassossego.
(Zé Eduardo)
Ou devo.
Ladrilho trincado
aranha imóvel na parede
traço espalhado sabendo a confusão.
Aridez de sal
desértica amplitude
tosse seca cacto flor.
Fechado frio em cobertores o poeta escreve
ansioso e horizontal.
Noite maquinaria aberta
desassossego.
(Zé Eduardo)
Sunday, June 10, 2007
Left and leaving
While my Guitar Gently Weeps
I look at you all
See the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
I look at the floor
And I see it needs sweeping
Still my guitar gently weeps.
I don't know why
nobody told you
how to unfold your love.
I don't know how
someone controlled you
they bought and sold you.
I look at the world
and I notice it's turning
while my guitar gently weeps.
With every mistake
we must surely be learning
still my guitar gently weeps.
I don't know how
you were diverted
you were perverted too.
I don't know how
you were inverted
no one alerted you.
I look from the wings
at the play you're staging
while my guitar gently weeps.
'Cause I'm sitting here
doing nothing but aging
still my guitar gently weeps.
(George Harrison)
Monday, June 04, 2007
Agapantos
Um homem entrará por esta casa.
A mesa estará posta
de ventos e sinos.
Colará o ouvido em meu peito
onde trafegam minhas antigas estradas, o rumor surdo dos mortos.
Pegará em minhas mãos e me falará
de um campo imenso semeado
de agapantos.
Escutará a seda do meu corpo,
a sede da minha alma,
a lã dos meus desejos.
Então o tempo encherá o quarto de areia.
(Roseana Murray)
Saturday, May 26, 2007
Flowers
My heart is a boulevard in spring.
My heart is a cemetery in spring.
Both covered with flowers.
They are everywhere you look,
flowers to say goodbye to
(they are the ones with thorns
and the ones with the sweetest smell,
the most beautiful your eyes will ever see).
That's why we love them, flowers.
And we suffer when they die
(even though they don't).
We watch them fade,
but we only think they do
(we have to, don't we, without them?).
They live their own lives,
and they will always blossom
in spring, flowers.
And we will forever love them,
flowers,
red petals soft with the
moist of morning,
flowers so wild
no garden should possess.
(zé eduardo, sp, 26/5/2007)
Wednesday, May 23, 2007
I Shall Die
I shall die because
the gods gave me too much,
they maybe gave me too much to handle.
I shall be happy ever after,
because that's what you do after you die.
.....
When she was four,
my daughter said that what happens when you die
is that you vomit.
You just simply throw up,
it's your soul going out for a ride.
Another one.
....
At the door you won't find written
emergency
Not even exit.
Just open it.
Outside there are flowers
but you don't have to go there to find them.
........
So be comfortable with what you have,
do not worry with what you've left behind.
Behind does not exist.
Life does.
(zé eduardo, são paulo, 22/5/2007)
Sunday, May 20, 2007
Desta Janela
Desta janela
tudo é a visão gótica e estreita.
Desta viela
onde tudo se torce em sumo
e a vida finalmente desabafa,
contemplo o nada da negritude tua,
o pálido forjar de ruas escuras,
o desquietamento mesmo
das tuas aparvalhadas
aventuras.
Habitante dos meandros
onde a escolha é muita e o saber,
vário, despejo na janela
detritos, esponjas, velhas
penas que nem para um cozido
servem.
(zé eduardo, bsb, 20/5/2007)
tudo é a visão gótica e estreita.
Desta viela
onde tudo se torce em sumo
e a vida finalmente desabafa,
contemplo o nada da negritude tua,
o pálido forjar de ruas escuras,
o desquietamento mesmo
das tuas aparvalhadas
aventuras.
Habitante dos meandros
onde a escolha é muita e o saber,
vário, despejo na janela
detritos, esponjas, velhas
penas que nem para um cozido
servem.
(zé eduardo, bsb, 20/5/2007)
Wednesday, May 16, 2007
Eu sei que parece não fazer sentido
Eu sei que parece não fazer sentido
Eu continuar te querendo numa hora dessas.
E que, se não me quisesse, você não viria
Jogar nossa vida na porta pra eu receber,
Como se o que é nosso eu pudesse acolher sozinho.
Zé Eduardo Mendonça
BSB, 15/5/2007
Eu continuar te querendo numa hora dessas.
E que, se não me quisesse, você não viria
Jogar nossa vida na porta pra eu receber,
Como se o que é nosso eu pudesse acolher sozinho.
Zé Eduardo Mendonça
BSB, 15/5/2007
Tuesday, May 15, 2007
O que eu disse à criatura desejosa
Este é um poema de Kabir, um tecelão de profissão nascido na Índia em 1398 e tido ainda como um dos maiores poetas do país. A tradução é minha e literal, no sentido de que pretendi apenas manter o sentido, sem a preocupação formal com a métrica, o que seria quase impossível. Mas vale como uma afirmação de redenção e de um pedido, ainda, de perdão, se possível.
Eu disse à criatura desejosa dentro de mim:
Qual é o rio que queres cruzar?
Não há viajantes na trilha do rio, e não há trilha.
Vês alguém se mover nas margens, ou a descansar?
Não há rio algum, ou barco, ou barqueiro.
Não há tampouco corda de reboque, e ninguém para puxá-la.
Não há chão, céu, tempo, ribanceira, não há vau!
E não há corpo, e nem mente!
Acreditas que haja um lugar que deixe a alma menos sedenta?
Nesta grande ausência nada encontrarás.
Sê forte, então, e entrai em seu próprio corpo:
Lá há um lugar sólido para teus pés.
Penses com cuidado!
Não vás te perder em outro lugar!
Kabir diz: jogues fora de vez todos os pensamentos de coisas imaginárias,
E permaneças firme naquilo que és.
Sunday, May 13, 2007
O Fim e o Princípio
Não me deixes te contar meus sonhos.
Eles são eu mas, sobretudo, um outro
cujas faces quedam entrevistas
eternamente a deslindar as máscaras,
a escandir todas sempre a questão mesma:
sou eu este ou sou um outro?
Que olhos vertem lágrimas quais santos nos milagres,
sentimentos de pedra nascituros?
Que olhos jamais choram,
seco taquaral de moscas a zumbir no sonolento fim de tarde?
.........
O vento varre pedras e taqüaras,
e seu percorrer tece canções.
Meus ouvidos nem mais ouvem,
de atentos tanto à melodia.
Espiralo, rodopio, giro a valsa universal.
Eu e os outros são todos irmãos que, juntos, comungam.
Há em tudo uma música maior.
Amen.
zé eduardo
bsb, 2/5/2007
Eles são eu mas, sobretudo, um outro
cujas faces quedam entrevistas
eternamente a deslindar as máscaras,
a escandir todas sempre a questão mesma:
sou eu este ou sou um outro?
Que olhos vertem lágrimas quais santos nos milagres,
sentimentos de pedra nascituros?
Que olhos jamais choram,
seco taquaral de moscas a zumbir no sonolento fim de tarde?
.........
O vento varre pedras e taqüaras,
e seu percorrer tece canções.
Meus ouvidos nem mais ouvem,
de atentos tanto à melodia.
Espiralo, rodopio, giro a valsa universal.
Eu e os outros são todos irmãos que, juntos, comungam.
Há em tudo uma música maior.
Amen.
zé eduardo
bsb, 2/5/2007
Papel Ofício
Hoje eu posso dizer quanto te amo,
Tranqüila luz de um trenzinho.
Estou liberto e o vento me oferece travessura.
Tenho a certeza da pedra nos corpos dos suicidas.
As cartilhas me ditam:
Vovô viu (não viu?)
a vulva.
Esta página me manda:
Escreva ou te devoro.
Eu não ando com fome de nada.
Eu olho o pastel do lado do caldo de cana,
Paisagem que nada lhes acrescenta.
Os dedos dão nós nos escafandros.
Na algas o fundo do fundo do mar.
.............
E não tem peixe.
Hoje tão tem peixe de jeito nenhum.
Hoje tem só resquício de espinha,
Tilápias bagres baicurus,
Sorte toda (e azar) de criaturas.
................
Sobe a maré nas margens do ribeirão.
Sobe a maré na praia tilintosa d'onda,
Credo cavaco vem com a onda
Que eu mal posso acreditar.
Meu pais é o épico de Ulisses,
E tanto a reescrever e
a fazer caber em resmas de papel ofício.
(zé eduardo)
bsb 1/5/2007
Tranqüila luz de um trenzinho.
Estou liberto e o vento me oferece travessura.
Tenho a certeza da pedra nos corpos dos suicidas.
As cartilhas me ditam:
Vovô viu (não viu?)
a vulva.
Esta página me manda:
Escreva ou te devoro.
Eu não ando com fome de nada.
Eu olho o pastel do lado do caldo de cana,
Paisagem que nada lhes acrescenta.
Os dedos dão nós nos escafandros.
Na algas o fundo do fundo do mar.
.............
E não tem peixe.
Hoje tão tem peixe de jeito nenhum.
Hoje tem só resquício de espinha,
Tilápias bagres baicurus,
Sorte toda (e azar) de criaturas.
................
Sobe a maré nas margens do ribeirão.
Sobe a maré na praia tilintosa d'onda,
Credo cavaco vem com a onda
Que eu mal posso acreditar.
Meu pais é o épico de Ulisses,
E tanto a reescrever e
a fazer caber em resmas de papel ofício.
(zé eduardo)
bsb 1/5/2007
Um sangue, outro
Se cada um de mim se fatiasse na balança
Eu nem mesmo saberia jamais de onde viria o maior peso.
Se um dia eu pudesse morrer de tudo
Eu certamente de tudo morreria.
Parece que um dia eu perdi meu passo
E nada há mais que me console.
Estou feito balão solto no ar em festa de criança,
A desatinar de tudo o que faz sentido.
Meu coração não para de sangrar, deve ser de quando eu nasci.
zé eduardo
BSB 4/5/2007
Eu nem mesmo saberia jamais de onde viria o maior peso.
Se um dia eu pudesse morrer de tudo
Eu certamente de tudo morreria.
Parece que um dia eu perdi meu passo
E nada há mais que me console.
Estou feito balão solto no ar em festa de criança,
A desatinar de tudo o que faz sentido.
Meu coração não para de sangrar, deve ser de quando eu nasci.
zé eduardo
BSB 4/5/2007
A Indigestão das Traças
Há muito tempo que não durmo de roupa.
Tirante o tênis, é como me vou deitar hoje.
Onde foi parar meu dorminhoco aconchego,
Destelhadas nuvens de abandono?
Faz frio em casa,
E o céu coberto de milagre
Ribomba até o último dos últimos dos últimos dias presentes.
(Trança a mente nos cabelos.)
Há muito tempo que não durmo sem roupa.
Dentro de mim brota o todo vestuário,
E são listas auriverdes, pendões de minhas flamejantes esperanças.
Sou hoje Resinalvo, Serguei, homem de qualquer nome,
Traça a roer tecidos nada originais.
..........
E a indigestão dos bichos
A comer sempre de tudo.
(zé eduardo)
4/5/2007
Tirante o tênis, é como me vou deitar hoje.
Onde foi parar meu dorminhoco aconchego,
Destelhadas nuvens de abandono?
Faz frio em casa,
E o céu coberto de milagre
Ribomba até o último dos últimos dos últimos dias presentes.
(Trança a mente nos cabelos.)
Há muito tempo que não durmo sem roupa.
Dentro de mim brota o todo vestuário,
E são listas auriverdes, pendões de minhas flamejantes esperanças.
Sou hoje Resinalvo, Serguei, homem de qualquer nome,
Traça a roer tecidos nada originais.
..........
E a indigestão dos bichos
A comer sempre de tudo.
(zé eduardo)
4/5/2007
Eu não sei
Dizem que lá em cima reina a harmonia
E que nos céus tudo é regular.
Eu não sei.
Eu sei de supernovas, universo em expansão,
A mesma miserável condição de nós que aqui em baixo habitamos.
Dizem que a distância é o olvido,
Mas eu não estou distante, não esqueci, quero copular com minha amada todo dia.
A boca do mundo grita o impossível, e nem por isso.
Não só não estou distante: estou próximo como a chama está da morte,
Estou pleno de minhas necessidades minhas,
Solto um berro no beco sem eco,
Destrambelho o que de mim restou até que a noite durma.
E quando dormir virão os sonhos, as visões, tessitura áspera da pele tua tão ferida.
E ao acordar exalarei néctares, perfumes indizíveis.
Deus meu, por que apenas eu fui a teu encontro,
Por que escorregastes nas pedras na beira do precipício,
Por que te acompanhei de mãos dadas quando havia um mundo a mais,
Mundo que nem não vislumbrei nem quis,
Atado que estava a teus olhos cegos?
..........
É outra manhã e a melodia destes versos torra
no sol impiedoso.
Retinas queimam a seca madrugada.
É como se eu tivesse tecnicamente abandonado a vida,
Achando que a vida fosse mais um de muitos gestos.
Não é, Catarina.
Não é, nós no cinema a experimentar o que um dia viria nunca a ser.
Indesejável, desejando, quero meus padrinhos mágicos,
Quero alguém que me desate dessa tola algaravia que é a vida.
Zé eduardo
Bsb, 5/5/2007
E que nos céus tudo é regular.
Eu não sei.
Eu sei de supernovas, universo em expansão,
A mesma miserável condição de nós que aqui em baixo habitamos.
Dizem que a distância é o olvido,
Mas eu não estou distante, não esqueci, quero copular com minha amada todo dia.
A boca do mundo grita o impossível, e nem por isso.
Não só não estou distante: estou próximo como a chama está da morte,
Estou pleno de minhas necessidades minhas,
Solto um berro no beco sem eco,
Destrambelho o que de mim restou até que a noite durma.
E quando dormir virão os sonhos, as visões, tessitura áspera da pele tua tão ferida.
E ao acordar exalarei néctares, perfumes indizíveis.
Deus meu, por que apenas eu fui a teu encontro,
Por que escorregastes nas pedras na beira do precipício,
Por que te acompanhei de mãos dadas quando havia um mundo a mais,
Mundo que nem não vislumbrei nem quis,
Atado que estava a teus olhos cegos?
..........
É outra manhã e a melodia destes versos torra
no sol impiedoso.
Retinas queimam a seca madrugada.
É como se eu tivesse tecnicamente abandonado a vida,
Achando que a vida fosse mais um de muitos gestos.
Não é, Catarina.
Não é, nós no cinema a experimentar o que um dia viria nunca a ser.
Indesejável, desejando, quero meus padrinhos mágicos,
Quero alguém que me desate dessa tola algaravia que é a vida.
Zé eduardo
Bsb, 5/5/2007
As Palavras
As palavras, a gente extremamente mede.
Não no que elas podem de sentido conduzir,
mas no ritmo mesmo, no samba iluminado da poesia,
nas valsas patéticas, mazurcas, hábitos há tanto tempo perdidos
que moram só nas palavras, falta da felicidade esquecida.
As palavras a gente extremamente herda
sons do vernáculo da alma
envoltos apenas em sentido.
Ou em sentimento.
Dizem o quê, as palavras, afinal?
Assim, tão pobremente, que delas é o espaço que ocupam?
(Mas o espaço anteriormente tomado
tinha já ditado um terreno.)
E nós o que fazemos com elas, as palavras?
Nós não fazemos nada,
elas antes de tudo manipulam
a concretizar letras de linotipia.
Como chumbo, que se derrete facilmente e se remolda,
reconstruindo a cada turno a sua frase.
.......
Não há manhã possível
perante tudo que de resto dorme.
Amor, medo, desejo,
tudo circunavega a vida
barco que não tem pra onde voltar.
....
E tudo isso não é lamento,
mais propriamente o derivar
de tanto vivido e lamentado.
À deriva descobrimos terras temerosas,
À deriva Américas esperam sem cais atracadouros e milagres.
Estão todos tantos nus na praia,
todos tão inocentes,
a serviço do poder extremo das armas e das caravelas,
frágeis presas dos domínios sedutores,
ocas, casas, terrenos, domínios
do que não deveria nunca ter sido invadido.
Nús, frágeis, inocentes
No mundo de repente findo pedra,
utilidades, miçangas, todas as moedas de troca,
a se esfarelar na praia,
perdida inda que reencontrada.
.......
O mundo se desfez no novo mundo
palavras, sentimentos e poeta aceitam seu fracasso.
Não se trata mais de algo que faça a menor
mínima importância.
Não se trata mais de amor,
trata-se de jogo, artifício, e abandonado fica o amor
e conseqüência, a canção da sombra onde antes se fazia luz.
zé eduardo
bsb 10/5/2007
Não no que elas podem de sentido conduzir,
mas no ritmo mesmo, no samba iluminado da poesia,
nas valsas patéticas, mazurcas, hábitos há tanto tempo perdidos
que moram só nas palavras, falta da felicidade esquecida.
As palavras a gente extremamente herda
sons do vernáculo da alma
envoltos apenas em sentido.
Ou em sentimento.
Dizem o quê, as palavras, afinal?
Assim, tão pobremente, que delas é o espaço que ocupam?
(Mas o espaço anteriormente tomado
tinha já ditado um terreno.)
E nós o que fazemos com elas, as palavras?
Nós não fazemos nada,
elas antes de tudo manipulam
a concretizar letras de linotipia.
Como chumbo, que se derrete facilmente e se remolda,
reconstruindo a cada turno a sua frase.
.......
Não há manhã possível
perante tudo que de resto dorme.
Amor, medo, desejo,
tudo circunavega a vida
barco que não tem pra onde voltar.
....
E tudo isso não é lamento,
mais propriamente o derivar
de tanto vivido e lamentado.
À deriva descobrimos terras temerosas,
À deriva Américas esperam sem cais atracadouros e milagres.
Estão todos tantos nus na praia,
todos tão inocentes,
a serviço do poder extremo das armas e das caravelas,
frágeis presas dos domínios sedutores,
ocas, casas, terrenos, domínios
do que não deveria nunca ter sido invadido.
Nús, frágeis, inocentes
No mundo de repente findo pedra,
utilidades, miçangas, todas as moedas de troca,
a se esfarelar na praia,
perdida inda que reencontrada.
.......
O mundo se desfez no novo mundo
palavras, sentimentos e poeta aceitam seu fracasso.
Não se trata mais de algo que faça a menor
mínima importância.
Não se trata mais de amor,
trata-se de jogo, artifício, e abandonado fica o amor
e conseqüência, a canção da sombra onde antes se fazia luz.
zé eduardo
bsb 10/5/2007
Wednesday, April 11, 2007
Sangue
Teu sangue escorre em meus lençóis
A borrar de vermelho orientais desenhos
De nossa cama tão desarrumada
De nosso sexo tão desarrumado
Nosso despertar onde o mundo imagina
A curva de tudo que volta a si mesma
Nossos reparos, esperanças,
Desconcertadas harmonias que aprendemos a fazer com nossos gestos.
Teu sangue escorre em minha língua,
Revelação de temas inconsúteis,
Primavera que me entrega tua flor,
Doce, álacre, forte, perfume mesmo da fragilidade.
Teu sangue chove em mim, temporal a inundar meu corpo,
E eu me deixo banhar na cachoeira descoberta enfim
Após tanto planalto e plenilúnio.
(as constelações mal te adivinham,
tua clareza, confusão estelar a lhes fazer
sombra nas noites em que te pressinto.)
E tu vens e me cavalga tresloucada amazona
Seios fartos a desvendar caminhos,
Luz de teus peitos a plantar um ninho
Que ave alguma jamais descuidará.
Zé Eduardo
SP, 11/04/2007
Testamento
Amor mio dos puntos, se cayó
la voluntad de seguir siendo, salgo
enhebrada de tu saliva aún e me
aturde dejar de perseguirte, tú que fuiste
llama en la oreja e calidez de un dedo
locura de apuñalamiento certero, ensayo
noble que se caracterizaba por la insistencia
del tema como fondo alegorico,
certerísima me quedo donde estoy, ¿qué
és mas lejos? ¿ Lo que sigue
permaneciendo? Me diseco las manos
para no tener que hacer escrutinios
con las caricias insentidas. Tengo
que escribir aún otro poema
mi sentencia y un método
para olvidarme de tu lengua.
(Concha García)
la voluntad de seguir siendo, salgo
enhebrada de tu saliva aún e me
aturde dejar de perseguirte, tú que fuiste
llama en la oreja e calidez de un dedo
locura de apuñalamiento certero, ensayo
noble que se caracterizaba por la insistencia
del tema como fondo alegorico,
certerísima me quedo donde estoy, ¿qué
és mas lejos? ¿ Lo que sigue
permaneciendo? Me diseco las manos
para no tener que hacer escrutinios
con las caricias insentidas. Tengo
que escribir aún otro poema
mi sentencia y un método
para olvidarme de tu lengua.
(Concha García)
Gripe
Meu amor está trancado na vitrina.
Cerro os punhos esmurro seco o vidro mas não adianta nada:
A blindada transparência apenas me devolve sua dureza
E limpo num pano amarrotado o sangue que brota das minhas juntas.
Espremo o tecido vermelho na calçada, e curiosos se juntam para ver.
Ó moço, o que deu tal destempero? Ó moço, tu quer roubar os doces?
Retiro o sal dos olhos e miro os doces na vitrina.
Não é o amor, são doces.
Meus olhos é que andam confundindo tudo.
Meus olhos é que desenxergam e me desencaminham,
Mundo malcriado a me deixar assim febril.
Zé Eduardo
São Paulo
11/04/2007
Saturday, April 07, 2007
O rio
Thursday, April 05, 2007
Saturday, March 31, 2007
Solidão
Eu conheço a solidão dos homens verdadeiramente solitários.
Levanto os olhos sobre a revista
e vejo do outro lado do balcão
o homem que mastiga seu sanduíche
com olhos de quem costumeiramente mira o nada.
Não seu interior, mas o nada mesmo,
a insubstância, a perspectiva da volta
para a casa desabitada
onde não há vida durante todo o restar do dia.
Eu não falo com o homem do sanduíche
e o olhar de todos em redor não se cruzam.
Não são mal educadas as pessoas solitárias,
são amargas, e talvez pouco levem além disso com elas,
um saco de papel marrom com restos
que sempre sobrarão putrefatos na geladeira
fazendo companhia ao leite vencido, porém presente
como um atestado de indisfarçável condição.
À exceção de um esgar de inquietação,
são resignados os seres que partilham
suas miseráveis refeições.
Pode bem ser que nem tristes sejam
porque este sentimento quedou abandonado
junto com tantos outros
como manchetes velhas empilhadas
num canto do quarto de empregada.
Há solitários amarrotados, elegantes, dândis, impecáveis,
escanhoados como bebês ou com pelos
que desleixadamente crescem
como se ao rosto nem pertencessem.
Não importa.
Por todo lado há a marca do olvido
em prédios de apartamentos
que empilham precoces asilos.
Estão à margem e já não recordam do outro lado
e de como a ele chegar, se lembrassem.
Pontas de cigarro queimam nas calçadas.
Não estão mortas mas ninguém mais as fuma.
Logo serão varridas pelo vento e tragadas pelos bueiros
rodando num turbilhão sem nexo.
(zé eduardo)
Tuesday, March 27, 2007
Os Deuses Sabem
Deus não sabe.
Os deuses sabem.
Nós sabemos.
Inquieta e aflita nave,
Circunavega a atmosfera úmida
E volta ao ponto de partida:
Onde quisemos, queremos, tornaremos a querer.
Seu coração tangencia o mundo,
Mas eu vou estar aqui,
Lar, âncora, lanterna, farol a iluminar as ondas
Que nem da luz natural precisam.
Estarão sempre lá, timidas, revoltas,
Regidas pela lua indecifrável.
E eu a faço concha e pérola,
Intimidade e esplendor ocultos.
Porque Deus não sabe.
Mas os deuses sabem.
(zé eduardo)
Friday, March 23, 2007
Seus Pés no Sofá
Quando toco nos seus pés e você quase se entrega ao sono,
Eu sei em qual mulher estou tocando.
Roço a mão em sua pele e seus olhos se fecham,
Alheios ao que vive além da intimidade, onde tudo fica tão aquém.
E você se entrega ao que recorda: seiva, polpa, serena e feroz umidade.
É assim que a toco (nos tocamos):
Bárbaros guerreiros desmedidos,
Quadros dependurados nas paredes dos corpos,
Comunhão de signos, arfar de peitos que tentam se esconder
E que conseguem apenas entregar um ao outro o sentimento decifrado.
Impossível ilusão na transparência dos seus olhos,
Na comoção de seus lábios juntos em busca da unidade,
No tanger de um instrumento em busca da perdida harmonia.
Você se revela, nos envolvemos, e seguimos.
(No sofá depois do almoço nós somos solidários.
Mais que isso, cúmplices.
Mais que isso, amantes de desejos quase irreprimíveis.)
..................
Quando minha mão de novo percorre seu ventre,
Tudo está de volta em seu tempo e este tempo é sempre e não se sabe quando.
(Zé Eduardo)
Minha Casa
Hoje minha casa habita dentro de mim
e eu a levo comigo como um caramujo
que se recolhe no aconchego.
A minha casa não é deserta:
é povoada de seres, ancestrais, mitos, amores.
Na minha casa não me faltam o alimento e a poesia e a música,
que fluem de suas paredes porque são parte dela,
assim como são partes de mim meus braços, minhas pernas,
minhas sobrancelhas arqueadas em pensamentos.
Não, a minha casa não tem paredes.
É generosa, minha casa,
e dá acolhida àqueles que dela se aproximam
com um ramo de flores nas mãos
como mais um tributo a meu jardim.
Minha casa não recebe quem não quero
e nem quem a mim não queira.
É honesta e simples e limpa
como se fosse toda caiada de branco,
e todos retratos nas paredes doces e eternos.
Na minha casa não há tempo, ganho ou perdido.
Há apenas espaço para os movimentos do meu coração.
Em minha casa as pessoas deixam os sapatos à porta
porque gosto que elas pisem em um chão
sem nada de entremeio.
O material de que minha casa é feita é a vida,
que cultivada durará muito além dela mesma.
(zé eduardo)
Thursday, March 22, 2007
New Orleans
Wednesday, March 21, 2007
Um Curto Poema Para Monet
Sunday, March 18, 2007
É Tão Cedo
É tão cedo, que lá fora
É quase ainda escuro.
Nem os pássaros tateiam a surda madrugada.
O guarda da noite se foi
mas ainda não há quem guarde o dia.
As folhas ficam nas calçadas
alheias a uma brisa
que mal a si mesmo movimenta.
E de tantos sonhos em tantas casas
partem ancestrais, mundos ermos, fantasmas do passado,
toalha em uma mesa no centro de uma sala,
bola de gude, a mãe e o pai mortos,
duas criancas sentadas quietas em um sofá no canto,
sombras invadindo a bruma sem cerimônia.
….
Num piano em uma sala notas querem romper da partitura,
soluços prestes a arrebentar.
Mas não. É tão cedo, que lá fora
tudo ainda continua quase escuro.
Deixem que durmam os corpos largados nos colchões,
lassidão abandonada em branca alvura.
Deixem, assim: os corpos não se tocam,
aqui uma perna se enfia no meio de outras duas,
ali um braço abraça um seio,
mas os corpos não se tocam porque as almas dormem.
Ou melhor, não dormem, apenas restaram ausentes,
e mesmo no amor ficaram agora ausentes
como buraco negro no céu
que traga toda energia
em sua enorme e estelar voracidade.
(Eu durmo só em minha cama.
Algum bicho ruim levou minha amada embora.)
………
Tarda a alvorada em meu peito tardio.
(zé eduardo)
O Enterro do Tocador de Bandoneon
O tocador de bandoneon morreu.
Seu relógio foi empenhado na casa funerária
e o tango cortando o cortejo
crispava as mãos em torno das alças douradas.
Havia trinta e duas pessoas
no enterro do tocador de bandoneon.
E na outra quadra do cemitério
apenas alguns desconhecidos.
O sol sumia em torno dos olhos sincopados.
(zé eduardo_
Friday, March 16, 2007
A Mulher na Distância
Quando teus pelos, eriçados, se enrijecem
Quando atiras teus espinhos em minha carne inesgotável
Quando tua voz crispada toca ouvidos machucados
Eu penso em tua dor tanta
Nos noturnos animais que invadem teu repouso
Eu penso meu Deus de que grota escura brota a água amarga
Que nunca nenhuma sede saciará
Eu penso oh Deus porque minhas mãos não puderam te tocar
E meus olhos apenas viram o que luzia
Sem iluminar o negrume atrás de tuas retinas
E eu sinto esta tristeza de velório
Velas queimando ao lado do corpo, morto e insepulto
E que se extinguirão bem depois
Que o primeiro punhado de terra
Anunciar o doce silêncio do sepulcro.
Eu penso em teu imenso ser crepuscular
Deitado em um horizonte onde um sol estático
Teima para que a noite jamais chegue.
(zé eduardo)
Tuesday, March 13, 2007
Ainda
Ainda que a luz baixasse oblíqüa
sobre as formas da manhã
que incandescesse avermelhada.
Ainda que nuvens corressem
e nelas víssemos,
feéricas crianças aturdidas,
moças, bolas, elefantes,
pés sinuosos a pisar
o desparelho caminhar dos dias.
Ainda que a terra se abrisse
e tragasse a tudo e junto o livro
que mãos inexatas continuam a escrever.
Ainda que flores brotassem
de terrenos inexatos
e espalhassem seus aromas
no rarefeito ar de uma vida rarefeita,
mesmo tudo isso mal seria
um torto aval para que o tempo prosseguisse.
Ainda que teus lábios me amassem,
e teus olhos, e a doce carne da proximidade,
tua fala amorosa condensada
nas púrpuras palavras do teu sexo.
Ainda que teu seios alvos
despertassem em minha boca,
me convidassem à plenitude
de te saber minha.
Ainda que com teu pulso,
cada segundo mais intenso,
inventasses a coreografia
dos corpos que se bailam,
sôfregos gestos das mãos
em busca do gozo da vida.
Ainda que a ciência se desvanecesse
e tu restasses desnuda
em toda tua intrincada geometria.
Ainda que você trouxesse sempre
os espelhos mesmos
de um caleidoscópio vário.
Ainda que o martelar dos deuses
forjasse a arma que um dia iria me matar,
ainda assim eu te convidaria,
minha trama de tecidos tergiversos,
minha cama de lençóis disparatados,
minha alma de tantas e todas aventuras,
ainda assim eu te convidaria a partilharmos
os destinos que habitam nossas vidas.
(zé eduardo)
Friday, March 09, 2007
Cinza
Há um cinza uniforme sobre tudo,
poeira sobre a mobília
na casa subitamente abandonada.
As janelas batem com o vento
e a umidade cuida de apodrecer
as coisas com as quais ninguém mais se preocupa,
cuja própria existência quem um dia delas soube se esqueceu.
Todos se foram em silêncio
sem nem deixar qualquer memória.
Há um cinza uniforme sobre a alma
que não sabe mais que corpo habitar.
Há uma cinza uniforme no coração
que bate solitário e sem eco
enquanto um outro coração quer amar
mas olha para o luto e a perda
e não quer tirar as bandagens
para não expor à luz a cicatriz.
Há um cinza uniforme sobre o corpo
que não pode partilhar seus desejos
tenta criar um contato e depara com a refração,
um pedido para que ele, alma e coração
esperem, esperem,
um dia que quem sabe virá,
quem sabe poderá não vir,
desacontecimento rompendo círculos
para tangenciar a vida e espirrar
como cometas espirram
no choque do calor da atmosfera.
Há um cinza uniforme sobre tudo
que o dia cinza reluta em disfarçar.
Há um choro atrás da porta,
um trinco e uma chave,
há um grito sem repercussão.
Há um homem que caminha na chuva e sente frio
e que quer varrer dos ombros
o peso de sua condição.
(Zé Eduardo)
Monday, March 05, 2007
Apelo
Antes que me digas com teu olhar de dor
que o horizonte tarda enquanto a noite avança em teus sentidos,
antes que me digas com teus lábios trêmulos
que em mim tu não mais te reconheces
e que todo gesto seria agora um acenar de tempos vãos,
antes que me digas com tua voz partida
que em teu ventre tu não mais me acolherás
e que a dor de tanta ausência tu a viverás em teu silêncio,
antes que me digas, alma dilacerada,
que nunca mais partilharemos nossos sonhos,
nossas febres, nossas peles uma em outra benfazejas,
as tristezas dos dias, o riso das noites, o encanto de todas as horas,
antes que me digas, com tua pele crispada,
que não é possível, que o tempo se esgotou nas madrugadas
em que sozinha mergulhastes teus cabelos de minhas mãos ausentes
no teu leito de mim desabitado,
antes que me digas que não mais te saberás minha
deixe eu te dizer quanto te amo.
Sunday, March 04, 2007
É Como se Toda a Poesia se Fosse
É como se toda a poesia se fosse,
qual barco que esqueceu-se nos sargaços,
névoa onde bóiam fantasias.
Não há ecos, rochedos, e a vista, toldada, nada vê.
As sereias estão além das brumas
e mesmo seu canto não chega
a esta quietude indesejada.
Não há ondas, faróis, horizonte,
Num terreno onde o silêncio reverbera em si mesmo
e morre.
Fogo fátuo que os espíritos guia,
da à nau um caminho nos destroços.
Vento que sopra das cenas tenebrosas,
enfuna esfarrapadas velas para um porto.
Não posso ficar aqui onde ninguém ouve meu canto.
Não quero, trancado em paredes invisíveis,
Ver minha alma definhar como definham
marinheiros nos desertos tombadilhos.
Dai-me uma musa, um sopro que seja,
um alento, um sinal.
Queima o óleo de finita lamparina.
Logo mais tudo será escuridão.
Fulgura, brilho tênue da tristeza,
Transforma-te em archote que mãos cansadas levarão
À terra firme onde um outro eu me aguarda.
Repercute e multiplica, solidão,
para que, todas companheiras,
as vozes que em mim gritam
possam enfim compor uma ode triunfal.
(zé eduardo)
Saturday, March 03, 2007
Cheiro
Estou impregnado por teu cheiro
que não sai de mim quando me lavo,
como sangue sob as unhas nos abatedouros.
(Sombras surrupiam almas que, perdidas,
vagam sem saber da perdição
e julgam ter a dor de ainda existirem.
Tráfego silencioso de lamentos,
névoas dispersas nos barrancos
onde o mundo acaba.)
Estou contaminado por teus olhos,
que não me abandonam quando fecho os meus,
como as marés que seguem para sempre as luas.
(Trevas descem sobre as águas,
ondas sem lembrança de onde um dia houve luz.
Trânsito doloroso dos sinais,
farois que não evitam naufrágios.)
Estou tomado por teus pelos
que não desgrudam de meu corpo
como pétalas que brotam e ficam até a queda,
que não chega nunca.
(Movimento tenso de corpos
aos quais a morte chegou despercebida.)
Te prego nas paredes,
penduro e despenduro teus retratos,
até a hora em que perco tudo e durmo.
Thursday, March 01, 2007
O Sentido das palavras
O sentido das palavras
Uma garrafa chega à praia com um bilhete dentro.
Há alguém numa ilha, acenando inutilmente
para os navios que passam ao longe,
até por que a salvação já chegou,
tão naturalmente como cocos despencam dos coqueiros.
…
Uma bala vara a noite e estilhaça uma janela.
Nela se abre um buraco por onde passam vento, frio, realidade.
(zem)
Tuesday, February 27, 2007
A Despedida
Não parecia tão certo e bom nos separarmos?
Então porque, mais que um crime, isso assombrou-nos?
Desconhecemo-nos, pois dentro
de nós um deus reina supremo.
Como trair a quem primeiro nos deu vida
e atribuiu sentido a nós, deus tutelar
que suscitou o nosso amor?
Traí-lo é algo que eu não posso.
O mundo tem, contudo, em mente um outro equívoco,
exerce outro afazer de bronze, as suas leis
são outras e o costume, dia
a dia, nos subtrai a alma.
Que seja: eu o sabia. Desde quando o medo.
que se arraigou disforme, opôs mortais e deuses,
devem morrer, para aplacá-lo,
com sangue, os corações dos que amam.
(Friederich Hölderlin 1770/1843)
Poema
Tua voz ainda está descendo por estes rios.
Em todas as árvores
só se conta a tua história.
As sombras imitam formas do teu vulto,
os reflexos do sol te repetem.
Há tanto de ti
as coisas que olhaste
que se te quero encontrar
encosto o ouvido no seio da noite,
mergulho nas águas,
rolo na terra
e te sinto folhagem,
te respiro no vento.
Tudo o que em tua pele tocou,
colo de colina
chuva que te molhou,
relva em que dormiste,
pedras, estrelas, lagoas,
tudo com teu olhar me olha agora.
Teu rosto enche a paisagem circular
e voltando para cima
beija no espaço
a rosa dos dias.
Depois que anoitece,
lá fora a montanha
ainda é teu corpo branco
que se despe.
(Anibal Machado)
Em Suma
Friday, February 23, 2007
As feridas
Não coço publicamente as feridas
Ou deixo que virem chagas,
Ainda que meu coraçao se escame,
Ferida exangüe.
Não canto samba-canção,
(E de fabrica nenhuma saístes
A merecer apitos, quiçá fossem três.)
Meu coração não vacila como se a leitura
Fosse o eterno ondular das imprecisas impressões
Dos eletrocardiogramas.
Nem minhas chagas torno invisíveis
No escuro de tantas desatinadas noites,
Nas quais me ponho qual latrina a aceitar dejetos.
Não fujo do gozo como o diabo da cruz
Que nem sequer comecei a aprender a carregar,
Ou cultuo a igreja que me impôs tal pecado.
Não aceito o que me afirmam tão torto.
Não sambo em tua quadra as canções que mal conheces,
Das quais apenas balbucias estribilhos
Chacoalhando languidamente
Qual cabide de armário
Trancado sempre num caminhão de mudança.
Brasília, 23/2/2007
Ou deixo que virem chagas,
Ainda que meu coraçao se escame,
Ferida exangüe.
Não canto samba-canção,
(E de fabrica nenhuma saístes
A merecer apitos, quiçá fossem três.)
Meu coração não vacila como se a leitura
Fosse o eterno ondular das imprecisas impressões
Dos eletrocardiogramas.
Nem minhas chagas torno invisíveis
No escuro de tantas desatinadas noites,
Nas quais me ponho qual latrina a aceitar dejetos.
Não fujo do gozo como o diabo da cruz
Que nem sequer comecei a aprender a carregar,
Ou cultuo a igreja que me impôs tal pecado.
Não aceito o que me afirmam tão torto.
Não sambo em tua quadra as canções que mal conheces,
Das quais apenas balbucias estribilhos
Chacoalhando languidamente
Qual cabide de armário
Trancado sempre num caminhão de mudança.
Brasília, 23/2/2007
Toda flor
Toda flor é uma flor que se cheire
Ainda que só pelo atavismo.
Nos inclinamos e aspiramos o que dela vem,
ainda que não cheire a nada.
As formas tomam o lugar dos sentidos,
e elas, centradas em sua beleza,
se regozijam em sua ingenuidade.
Pétalas viçosas com medo da queda
que nada mais é que o destino,
temem perder sua seiva,
que não perderão por não perderem a essência,
tanto a do perfume, quanto do que está para lá
de seus visíveis encantos.
Uma flor apenas renasce de si mesma,
do humus, da seiva, do que a faz brotar.
Seria como, depois de atribuir espinhos aos cactos,
tratar de fazer com que nos espetem impiedosamente
quando sua função é de apenas serem espinhos,
e não de causar dor,
ou precisar que pacientemente
os arranquemos de nossas carnes.
Há flores de toda espécie,
bem ao lado de um muro de cemitério,
contrastando suas cores com a rigidez dos ciprestes,
de noite, hieráticos contra o céu,
guardiães últimos do que dura
sem nem mais ter consciência de durar.
Dos ninhos nos ciprestes as andorinhas voam e,
Ao chegar a noite, dormem ao ponto
de jamais sabermos que existiram.
Interessante teia, a noite,
que envolve com sua sombra os desejos.
Ela os enreda e com sua geometria precisa
os transforma em ritmos que batem em corações
que não mais podem dormir tranquilos.
Quanta imprecisão nos hábitos, nos gestos adquiridos,
nos apelos mal guardados e necessitando expressão
sem olhos para a dor à volta.
…………….
Têm umbigos, as flores,
tem pernas, estames, pistilos,
a química da reprodução
que agora nada reproduz a não ser seus clichês.
Temem, as flores, que seu despetalar não venha mais com a manhã,
e sim com um amanhã que não podem jamais ajudar a fabricar.
Ainda que só pelo atavismo.
Nos inclinamos e aspiramos o que dela vem,
ainda que não cheire a nada.
As formas tomam o lugar dos sentidos,
e elas, centradas em sua beleza,
se regozijam em sua ingenuidade.
Pétalas viçosas com medo da queda
que nada mais é que o destino,
temem perder sua seiva,
que não perderão por não perderem a essência,
tanto a do perfume, quanto do que está para lá
de seus visíveis encantos.
Uma flor apenas renasce de si mesma,
do humus, da seiva, do que a faz brotar.
Seria como, depois de atribuir espinhos aos cactos,
tratar de fazer com que nos espetem impiedosamente
quando sua função é de apenas serem espinhos,
e não de causar dor,
ou precisar que pacientemente
os arranquemos de nossas carnes.
Há flores de toda espécie,
bem ao lado de um muro de cemitério,
contrastando suas cores com a rigidez dos ciprestes,
de noite, hieráticos contra o céu,
guardiães últimos do que dura
sem nem mais ter consciência de durar.
Dos ninhos nos ciprestes as andorinhas voam e,
Ao chegar a noite, dormem ao ponto
de jamais sabermos que existiram.
Interessante teia, a noite,
que envolve com sua sombra os desejos.
Ela os enreda e com sua geometria precisa
os transforma em ritmos que batem em corações
que não mais podem dormir tranquilos.
Quanta imprecisão nos hábitos, nos gestos adquiridos,
nos apelos mal guardados e necessitando expressão
sem olhos para a dor à volta.
…………….
Têm umbigos, as flores,
tem pernas, estames, pistilos,
a química da reprodução
que agora nada reproduz a não ser seus clichês.
Temem, as flores, que seu despetalar não venha mais com a manhã,
e sim com um amanhã que não podem jamais ajudar a fabricar.
Thursday, February 22, 2007
Eros e Psique
Tuesday, February 20, 2007
No meu jardim
No jardim da minha imaginação
Tem cravos, primaveras, buganvíleas,
margaridas, girassóis, damas-da noite,
violetas, anêmonas, avencas, azaléias,
magnólias, lírios, narcisos, tulipas, primaveras.
No meu jardim tem antúrios, alcachofras, mimosas,
alpínias, gardênias, gérberas, bromélias,
cactus, camélias, e mato, muito mato.
No meu jardim tem bichos espantosos, abelhas,
tem chuva e depois da chuva,
tem sol e tem lua e noite,
ciclames, frésias e lírios,
prímulas e helicônias,
amores-perfeitos (e imperfeitos), violetas.
Tem grama e chão onde deitar
para ouvir o coração da terra
que molha nossos corpos no orvalho.
Do meu jardim a relva às vezes sai desordenada,
vitalidade que pula das sementes e se espalha para o céu.
E tem besouros, vagalumes, louva-deus, taturanas,
beija-flores, sabiás na comunhão
de tudo que cultua a luz.
No meu jardim a sombra é apenas o descanso
e o alívio quando o calor queima.
No meu jardim agora é outono
e a claridade bate de banda
como de banda a gente anda quando anda em solidão.
No meu jardim tem minúsculas casinhas
onde habitam deuses invisíveis,
imagens que conduzem nossas vidas.
No meu jardim as coisas fenescem e morrem e retornam,
eternamente.
No meu jardim tem espinhos e a aridez da argila,
massinha de moldar em busca de seu molde.
No meu jardim há olhos que não dormem e brilham no escuro,
fantasmas e ninfas que moram nas fontes.
No meu jardim a água corre e a seiva jorra dos troncos
e minhocas hibernam até revolver a massa escura, aconchegante e quente e úmida que vai dar na superfície,
onde as esperam o risco da morte retorcida na secura ou o alimento.
Não tem artifícios, o meu jardim.
Nele simplesmente tudo está ou não está,
porque nele o olhar revela tudo.
Mas tem uma coisa que falta em meu jardim.
No jardim da minha vida
eu quero é molhar a sua rosinha.
(zé eduardo)
Tem cravos, primaveras, buganvíleas,
margaridas, girassóis, damas-da noite,
violetas, anêmonas, avencas, azaléias,
magnólias, lírios, narcisos, tulipas, primaveras.
No meu jardim tem antúrios, alcachofras, mimosas,
alpínias, gardênias, gérberas, bromélias,
cactus, camélias, e mato, muito mato.
No meu jardim tem bichos espantosos, abelhas,
tem chuva e depois da chuva,
tem sol e tem lua e noite,
ciclames, frésias e lírios,
prímulas e helicônias,
amores-perfeitos (e imperfeitos), violetas.
Tem grama e chão onde deitar
para ouvir o coração da terra
que molha nossos corpos no orvalho.
Do meu jardim a relva às vezes sai desordenada,
vitalidade que pula das sementes e se espalha para o céu.
E tem besouros, vagalumes, louva-deus, taturanas,
beija-flores, sabiás na comunhão
de tudo que cultua a luz.
No meu jardim a sombra é apenas o descanso
e o alívio quando o calor queima.
No meu jardim agora é outono
e a claridade bate de banda
como de banda a gente anda quando anda em solidão.
No meu jardim tem minúsculas casinhas
onde habitam deuses invisíveis,
imagens que conduzem nossas vidas.
No meu jardim as coisas fenescem e morrem e retornam,
eternamente.
No meu jardim tem espinhos e a aridez da argila,
massinha de moldar em busca de seu molde.
No meu jardim há olhos que não dormem e brilham no escuro,
fantasmas e ninfas que moram nas fontes.
No meu jardim a água corre e a seiva jorra dos troncos
e minhocas hibernam até revolver a massa escura, aconchegante e quente e úmida que vai dar na superfície,
onde as esperam o risco da morte retorcida na secura ou o alimento.
Não tem artifícios, o meu jardim.
Nele simplesmente tudo está ou não está,
porque nele o olhar revela tudo.
Mas tem uma coisa que falta em meu jardim.
No jardim da minha vida
eu quero é molhar a sua rosinha.
(zé eduardo)
Wednesday, February 14, 2007
Eros e Psique
O coração trapaceia, ilude, engana,
Fantasmagoriza seu dono.
Mas a alma não.
O coração arma, negaceia, foge tão rápido de tudo
Que não lhe parece confortavel.
Mas a alma não.
Ama, a alma? Quer, a alma, deseja, goza a alma?
A alma sim.
Brasília 14/2/2007
Fantasmagoriza seu dono.
Mas a alma não.
O coração arma, negaceia, foge tão rápido de tudo
Que não lhe parece confortavel.
Mas a alma não.
Ama, a alma? Quer, a alma, deseja, goza a alma?
A alma sim.
Brasília 14/2/2007
Subscribe to:
Posts (Atom)